Editorial


* Para acompanhar o lançamento dos próximos números da Palavril, envie um email para: palavril@yahoo.com.br



Amanhece

Paro na tua linha de farpas e aspas
Pouco geométricas
Com grave ânsia esburacada
Solta no seu moreno espumante.

Remexo a ponta da unha
Ensangüentada
Na ferida roxa do teu colo
Adormecido.

Cores solares
De diamantes em anéis
Decorrem entrevados
Em cabelos de artifício.

Cristais em momento de transparência
Soltam do gozo
Úmido-envergonhado
Com cheiro de ante-ontem.

Forma, sangue cor, momento
Forma, sangue, cor, textura
Forma, sangue, cor, cheiro
Forma, sangue, cor, cor, cor, cor.
E mais cinco milhões de alucinógenos
No vermelho desse meu entre-pele.

Anoitece.

Mariana do Rego


Soneto da animação

Mulher, eu sou
homem demais;
homem, eu sou,
mulher jamais.

Mulher, eu sou
homem gentil;
homem, eu sou,
mulher não viu.

Homem que sou,
mulher, quer ver,
para deixar, para querer.

Mulher, eu sou
homem total,
do homem só, eis o final.

Roberto Armorizzi



Sem redenção

Eu já fui a cartomante,
curandeira, macumbeira
Já fiz tudo que é promessa
pra santo e padroeira
Busquei norte no oriente
Decorei o kama sutra
Já dancei dança do ventre
Já andei até de burca
Já cantei tudo que é mantra
Meditei, tentei o tantra
Indaguei i-ching:
não respondeu
Apertei do-in
e mais doeu
Dei a volta ao mundo
Tentei de tudo
e nada
Ao sul do ocidente
resto
ainda mais descrente
Porque você, meu único redentor,
é de concreto,
e mente com seus braços abertos

Beatriz Tavares



Sobre a esquisitice

É covardia
da flor vadia
ter cores utópicas.
Tem tempo em mim
Beijos todos soltos
Sem coleiras
Cólera em mordidas
Grafotecnias vãs.
É covardia
Desta flor vadia
Vagar insólita
Pelos meus sentimentos.
Pelos teus pêlos
Meus beijos
Largados
Nas cores do teu colo
louco.

Renato Limão



Saber de sempre

Pesquisei o amor
E fiquei pontinho
Com a falta de atitude
Que ainda em nome
Do sentimento pelo qual falo,
Complexa
O que fazer com a dor do sozinho?
Se a sentem por uma tela
De exemplos anotados,
Seus tabus vão nas faixas
Pobres homens
Deixo de lado os lápis –
Que não sou eu mesmo
Durante procura porquanto vacilo
Agora só para
Virar esta página
E provar neste estudo, o afeto,
Desculpem-me,
Que quem nasceu pra sofrer,
Muito obrigado,
Nota dez de adivinhas,
E repetidor de seus fracassos
Tão triste que não cabe divulgar.

Rod Britto





O vestido azul

por Luciana Ferreira


Teve um pesadelo. Assustou-se. O relógio perto da cama marcava onze horas e vinte e três minutos. Muito cedo para se levantar. Deixou seu corpo desfalecer novamente, suplicando o sono. Mas o sono não voltou. Será que o pesadelo o espantou? Como em um salto, jogou-se da cama e andou até o banheiro. "Tenho que trocar a cortina de plástico". Dirigiu-se até a cozinha e avistou a louça de dois dias atrás que ainda a aguardava. Olhou, analisou e deixou para lá. Voltou ao quarto. Caminhou até sua penteadeira entupida de óleo de peroba. Puxou a cadeira. E sentou. Olhou-se no espelho por alguns momentos. Lápis preto, delineador, batom marron e blush. Sentiu-se outra pessoa. Ficou de pé. Virou-se e tentou corrigir sua postura a partir da visão no espelho. E não conseguia. Desistiu. Reparou teias de aranha em cima do guarda-roupa branco e descascado. Refletiu uns segundos sobre isso. Abriu o guarda-roupa e avistou um traje azul. Longo, com um corte lateral indecente, e com pedrinhas -que imitavam- brilhante nas pontas. Vestiu-o. Sentiu-se bonita. Caminhou até a sala-de-estar afim de ligar o aparelho de som. Ouviu música. Os pés começaram lentamente a bater ao chão, tentando acompanhar o ritmo da balada. O restante do corpo sentiu inveja e dançou junto. Girou. Abaixou. Pulou. E sentiu-se em uma festa. As pessoas dançando à sua volta. Elogios sobre sua beleza não tinham fim. E ela ria. E dançava. E ria. Mas a música acabou. Dando-se conta de que tudo foi pura fantasia deixou-se cair ao chão. E por lá ficou alguns instantes. Os olhos procuraram o relógio de madeira no canto, próximo à televisão que não funcionava e encontrou. Doze horas e quinze minutos. Ergueu-se com sacrifício. Ferozmente arrancou o vestido e pôs-se a chorar. Doze horas e trinta e dois minutos. Acalmou-se, caminhou em direção a cozinha e começou a lavar a louça. "Tenho que trocar a cortina de plástico".





Perfeição e Afeição

por Cassiano do Amaral

- Não acredito! Você também é fã do Chico?
- Fã? Tenho a obra completa dele em LP, CD e DVD! Isso sem falar no Songbook, nos romances, nas peças de teatro...
- Nossa! Não tenho dúvidas de que o Chico hoje em dia é praticamente uma unanimidade.
- Para mim ele sempre foi o melhor. Acho incrível como fico arrepiada toda vez que ouço “Futuros Amantes”.
- Que impressionante! “Futuros Amantes” também é minha música favorita.
- (cantarola) “Não se afobe não que nada é pra já, o amor não tem pressa ele pode esperar...”
- Mas que livro é esse aí na sua mão?
- É o último lançamento do Rubem Fonseca, você gosta?
- Se eu gosto? Eu sou aficionado pelo Fonseca! Acho até que foi por causa do Mandrake que resolvi estudar Direito e aprendi a gostar de vinhos e charutos...
- E em relação às mulheres?
- De mulheres eu já gostava antes...
- Não! Quero saber se você também é “galinha” feito o Mandrake? Galanteador como o Corcunda?
- Nem uma coisa e nem outra... Talvez um sátiro e um glutão como Gustavo Flávio...
- Bobo! Não me parece que seja um glutão, você está em forma!
- Você é mesmo uma mulher muito gentil... Mas infelizmente não resisto a uma massa italiana acompanhada de um bom vinho tinto.
- Você gosta de lasanha? Modéstia a parte eu sei preparar uma lasanha maravilhosa!
- Você só pode estar de brincadeira comigo! Quem lhe contou que lasanha é meu prato predileto? Você conhece algum dos meus amigos? Você por acaso leu a minha biografia?
- Você tem uma biografia?
- Claro que não! Só queria te testar... Mas você deve ter encontrado algum modo para descobrir todas essas coisas a meu respeito...
- Como eu faria isso se acabamos de nos conhecer? Você acha que eu sou alguma vidente? Aliás, foi você quem puxou assunto comigo quando eu estava saindo daquela livraria, lembra?
- É verdade, você tem razão, não tenho motivos para desconfiar de você. Mas acho impressionante como somos parecidos.
- Temos mesmo muita coisa em comum...
- Até conhecer você eu nunca havia me deparado com alguém tão parecido comigo. Poderíamos nos encontrar outras vezes, o que você acha?
- Eu prometo que preparo a lasanha.
- Perfeito! E o vinho fica por minha conta.

Mas depois daquela tarde nunca mais se viram. E nem se falaram. A bem da verdade, acredito mesmo que tenham se evitado. Eram parecidos demais para que desse certo. Ninguém suporta o próprio espelho.












Botafogo
por Julio Ferreti

Botafogo onde não moro
que tu também conheces.
Passamos e paramos por ele,
passamos e olhamos para ele,
paramos e raparamos nele.
De onde estás, se te esticas,
consegues ver o Cristo a te observar.

Cristo que olha admirado
a Baía de Guanabara
exalando cheiro de maresia
para dentro de casas antigas
que convivem com casas verticais
contemporaneas.

Botafogo onde tu moras
que ele também conhece.
Podeis, num bairro cinelândia,
escolher namorar, rir ou pensar.
E quando saírdes refletir o que vê
ou não olhar mais nada,
só mesmo para onde vais,
num velho túnel para sua irmã,
por antigas ruas para seu irmâo.
Deixeis de lado vossa pressa e
aproveite seu trânsito, na rotina
de um bairro que Botafogo.




































* fotos e texto: Julio Ferretti


Vila Musical
por Diego Tribuzy

Uma simples casa que fica numa daquelas ruas bonitinhas do Grajaú é agora um dos maiores pólos culturais não só da Zona Norte como de toda a cidade do Rio de Janeiro (pra desespero dos vizinhos). Idealizado pela galera da banda Rock Ted, a Vila Musical é um espaço onde além de festivais musicais, com shows memoráveis como o acústico dos Macraios com direito a Andrezinho apenas com uma folha de bananeira, e eu escangalhado de rir com uma lata de cerva e um baseado na mão, há também estúdio para gravação e ensaio, salas de aula não só de instrumentos como também de desenho e até feng-chuí (?!) e uma sala para apresentações audiovisuais e exposições diversas. O espaço ganhou força e conhecimento (ao meu ver, nem conversei com os caras sobre isso) através dos festivais de reggae dominicais. Eu, que já conhecia a galera envolvida, cheguei lá sem saber que o espaço era deles, fui indicado por um doidão desses aí da vida. A última vez que fui lá foi pra fazer uma gravação externa para um pseudoprograma piloto com a Benflos (que fez um show foda, diga-se de passagem) e me deparei com um festival de oito bandas (destacando além das já citadas, a extinta Patuvê e o El Efecto). O interessante é que toda a platéia é envolvida com arte, montam-se bandas e parcerias nesse tipo de evento, e o melhor, um real e um quilo de alimento não perecível. Preços acessíveis, espaço pra todo mundo... Parabéns a rapaziada pela iniciativa! Quando rolar um evento desse me chama!

www.vilamusical.com.br



se eu soubesse…

não imaginei despedida ainda. tudo um tanto estranho: olhar vazio, voz sem riso, braços perdidos em abraço. verdade ao menos enganava – despistava o mal presságio de dias após. se eu soubesse, seria diferente?talvez faltasse ainda coragem pro embarque. ou fosse cedo pra deixar quebrarem regras. não fiz. e foi estranho.despedi-me pela metade; confiança na volta tinha apoio meu. novas fotos, velhas lembranças. teu nome marcado num pedaço de papel e o meu largado em ilusão. foi-se.foi-se deixa marca de sentir por dias – antes e depois.pétalas caídas, sangue estancado, corte nem aberto foi – não há uma gota que mereça teu desgosto. nenhuma, mesmo forte seja a vontade – ou vai ver não nem é.certeza de ser exatamente aquilo que é leva; se soubesse

Luana Barcelos

Credo, qua absurdum

A BUSCA
por Guilherme Tolomei

Atravessou a rua e ela continuava a segui-lo. Pensou em parar, mas, ao contrário, aumentou a velocidade. Talvez fosse ele que a seguisse, já não sabia. Há quanto tempo estava em seu encalço? Horas, dias, anos? Ela não lhe era estranha. Os olhos desbotados o faziam lembrar de um futuro remoto. Poderia ser uma amiga. Falariam sobre a possibilidade que jamais tiveram de se conhecer. Perguntaria seu nome e ela responderia com uma sílaba incongruente. Recordariam instantes indeléveis das caminhadas nunca realizadas. Lembrariam do momento que nunca houve. Mas apenas continuou andando. Às vezes, sentia a perna dela lancinante e, respeitosamente, diminuía o passo. Outras vezes, andava por ruas iguais para ter certeza de que estava perdido. Ambos estavam perdidos. Andariam sem destino. Viajantes solitários de um labirinto permanente. Entretanto, as casas ao redor envelheciam. As tintas das paredes adquiriram um tom mais claro. Os contornos desbotados proclamavam a independência da forma. Tudo parecia sumir. Um deserto. Uma folha em branco. Não obstante, ele entrou no café “Les Lettres”. A mulher já estava sentada na última cadeira. Olhou-o, como se olhasse a todos e, ao mesmo tempo, ninguém. “Você é o escritor?”, “Sim”, “Esse talvez seja o único propósito da perseguição. Você sabe o que tenho para lhe dizer?”, “Você veio me dizer que não existo”, respondeu rindo.Aproximou-se dela e sussurrou em seu ouvido: “E provavelmente você também não”, depois começou a rir cada vez mais alto, até que o riso e a mulher se misturassem, tornando-se uma coisa só.



ENERGIZAR

EM METÁFORA
A VIDA É UMA PILHA

NEGATIVO ALI
POSITIVO AQUI

VICE VERSA
COMANDANTE COMANDA

E QUEM QUER VIRA BAIANO
VICE?

Felipe Cataldo


Pronto, decido
nem o vinho, nem a pinga
entre o tédio e o descaso
escolho ser o meu coringa
Muito Café...

No meio da noite
O café me mantém acordada
Involuntariamente de pé
Maldito café

Aqui mesmo acordada
Sempre cansada
Aqui
Mesmo por nada
Nessa madrugada nada presta
Mas tudo me resta porque sou como sou
Derramando o meu tédio
Da caneta pro papel
De um coração de papel

Tenho meus livros
Meus jogos
Minhas cartas de amor
Vou aprender a brincar com a dor

Tanto tempo pra pensar
Tanto espaço pra sentar
Tanta farsa pra cantar
Tanta vida pra esquecer

Maldito café

Bárbara Boneca


O QUE RESTA

Melancólica visão
Visão do bairro que nasci
Fantasmas pairam no ar
Pensamentos seguem o vento
Encontram a saudade sentada em uma velha cadeira de botequim
Pousam sobre árvores, esquinas e casas.
Decrepitude
Acinzentado tempo
Trêmula chama do amanhã
A retroagir.

No enterro das memórias
Na sepultura das lembranças
Rostos desfigurados
Fisionomias conhecidas
Apagando
Apagando
Apagando ...

Dalberto Gomes



Outro

Eu nunca mais atravesso aquele túnel
Nunca mais eu passo as noites na porta do teu mundo
Eva arrancada da tua costela, eu nunca mais posso existir
Sem te dar conta dos meus passos que você nunca vai querer seguir
Carne amputada de ti, eu para sempre soterrada
Teu paraíso me implodiu
Eva não-parte de Adão, ainda espero que Deus me invente
E que ele agora seja feliz
Que mais uma vez me crie
De outra costela talvez
Em outro tempo, outra memória
Outro inferno e outra glória
Outra sina, outra Sandra
Mesmo sabendo que eu
Nunca mais

Sandra Bonadeus



Fatos

Já se foi tua última vela,
Agora o escuro mórbido
É teu único companheiro.
Quero que fique e ao mesmo tempo
Quero que vá embora!

Acredita amigo, o escuro
Não é o problema.
Mas tenha medo,
Pois existe um anjo entre nós.

A principal causa da sua morte
Não é o escuro mórbido
E sim o frio...

Não tenho medo de ti.
Conheço-te melhor do que imaginas.
Mas apenas quero que fiques
A pensar no que
Poderia fazer se tu
Achaste uma arma?
Matarias a mim, ao anjo
Ou a ti mesmo?

Vinicius Longo


COLEÇÃO
por Adenor Nunes

- Espera um segundo que eu vou lá pegar.
- Pegar o quê?
- Ora, pegar minha coleção de selos.
- Você não está falando sério?
- Estou.
- Não acredito.
- Sim, eu te convidei pra vir a minha casa ver a coleção de selos.
- Mas hoje é noite de sexta-feira.
- E daí, os selos, geralmente, não saem pra lugar nenhum.
- Olha, deixa eu te explicar: nós dois, sozinhos em seu apartamento, adultos, descomprometidos. - Justamente, por isso. Não há ninguém pra nos atrapalhar. Você ficaria maravilhada.
- Quero me maravilhar de outra forma.
- Como assim?
- Você não está sentindo que há algo entre nós.
- Claro. Tem essa mesa de canto, esse abajur ...
- Não é isso! Você não percebe que estou fascinada?
- Mas só ficou desse jeito depois que eu te falei do meu selo persa, de mil novecentos e quinze, espertinha.
- Não, não.
- Olha, eu fui bem sincero : vai fazer alguma coisa hoje? Que tal vir aqui, ver minha coleção de selos?
- Você sabe que eu não sou uma mulher atirada.
- Pudera, estamos no décimo quinto andar.
- Mas eu coloquei minha roupa mais instigante.
- Hummm, sinceramente, não tenho vocação pra trabalhar com moda.
- Nem eu tenho vocação pra trabalhar nos Correios.
- Agora você está me ofendendo.
- Eu também estou me sentindo ofendida. Sempre te achei um sujeito bonito, inteligente e charmoso. Até seu jeito meio excêntrico me interessava.
- Onde você quer chegar?
- Quer mesmo saber? Que tal em um botão ou dois?
- Ahhhh. Você não vale nada mesmo. Agora entendi. Como eu fui bobo. Então, vamos lá pro meu quarto?
- Ótimo, já não era sem tempo.
- Mas vem cá, você quer começar vendo a minha coleção de botões de times da Europa ou do Brasil?


Aparecida do Norte
por Carlo De Luca

Aparecida, talvez mais conhecida como capital brasileira da fé. A cada virada de esquina é possível conseguir um ângulo diferente da basílica, a segunda maior do mundo em tamanho e também conhecida como Santuário de N. S. Aparecida. Aqui vou explorar um pouco da cidade que é belíssima e muito rica em imagens.

Vista geral da Basílica de N. S. Aparecida à noite.


Da passarela e aproximando temos esse ângulo o que é interessante para caso alguém queira fazer um destaque maior do santuário.

A parte de trás dela também é interessante para efeitos de comparação de tamanho com as pessoas comuns.


Dentro dela temos lugares ótimos para fotos inclusive alguns já foram utilizados em livros como a Capela das Velas.


Se buscarmos algo mais, encontraremos imagens assim.


Escondida perto da Capela das Velas tem uma estátua representando a Pietá lindíssima que tem uma iluminação muito interessante.

Se aproximarmos uma parte dela.










Também podemos conseguir boas imagens como essa em contra luz da lateral.


Como se estivesse perdida na frente da basílica fica essa pequena imagem que dependendo do ângulo, nos reserva fotos interessantes.

E, para finalizar, o morro do cruzeiro.


Aparecida do Norte ainda tem muito a se explorar, o centro de romeiros, capela dos milagres, a vista de dentro da torre da basílica, a basílica velha (que no momento está em restauração). Não faltam lugares para conhecer dentro da cidade. Apenas precisar ter paciência e um bom fôlego para andar a cidade. Tentei mostrar em algumas fotos que um lugar que parece ter apenas uma igreja pode ser explorado de diversas formas rendendo imagens que apesar de simples transmitem grande emoção.

* fotos e texto: Carlo De Luca



Bituca e Espeto
por Bruno Borja

Coé Bituca, se liga aí parceiro! olha o peixe ali!, bati pra ele apontando a coroa.
Bituca, se chamava Bituca porque desde que ele se viciou, vivia pedindo a bituca do cigarro dos outros. Ou então, catando do chão.
Eu, eu me chamo Espeto. Sempre fui magrelo e pequeno. A rapaziada do morro é foda, não perde tempo pra zuar os outros. Quando botei o pé na rua pela primeira vez lá na Formiga, nego começou, ih a lá, o cara parece um espeto! fala aí, Espeto! coé, Espeto! e num sei quê, Espeto. Aí já viu, né, virei Espeto.
A gente tava dentro do banco, e eu falei pra ele, apontando a coroa que tinha enchido o bolso de dinheiro.
Os velhotes adoram sacar uma bolada, um porradão de uma vez só. Aí, entope o bolso de dinheiro e sai por aí, achando que tá tranqüilo. Porra, parece até desaforo com a bandidagem.
Era só dar um rolé pela praça no início do mês, ver qual banco tava mais cheio e entrar procurando os velhos. Eu sempre dizia que a gente ia pescar, pescar os velhotes, ha, ha...
A coroa tinha um monte de dinheiro e a gente foi atrás.
O Bituca, que era grande, seguia os peixes e eu, ia pegar a moto pra encontrar com ele. A gente era uma boa dupla, tavamos metendo ali na Praça Sans Peña há uns sete meses. Sem caô nenhum. Eu sô piloto na motoca, né meu irmão. E ele, era um negão gigante. Aí, tu já viu.
Ele tomou a bolsa da coroa, quando eles passavam pela banca de jornal, pra dechavar. Depois foi pro meio-fio pra encontrar comigo, que eu já tava escoltando de longe com a moto e acompanhava todo o movimento.
Era sempre assim. Ele subia na garupa e eu arrancava. Eu já tava quase partindo, tranqüilão, quando a coroa resolveu pagar de maluca. Começou a gritar, que é ladrão!, que é num sei quê!, que é o caralho! Geral da rua ficou boladão olhando.
Cumpade, o nosso azar é que veio, na mesma hora, uns merdas de uns vermes num golzinho. Viram a coroa, ligaram a sirene e partiram pra cima da gente, já nervosos, né. Eles vinham pela General Roca e eu, ali na Desembargador Izidro, saí saindo, batido.
Porra, eu sô piloto, trabalhava de moto-táxi há mais de um ano. Só que o Bituca era grande pra caralho! Eu acelerei tudo, meti o pé. Ueum, ueum, ueum, os homem vieram ali, na cola, cuspindo fogo, um pipoco atrás do outro, tá, tá, tá. Subi a rua voado, virei na direita, tá, tá, tá... tá, tá, e a 45 mandando só caroçada.
Senti uma porrada nas costas, coé Bituca, tá tranqüilo aí, parceiro? qual foi?
Ele falou qualquer coisa que eu não entendi.
E eu respondi, se segura aí, que eu vou tirar a gente dessa!
Joguei na contramão, ali na Andrade Neves, e abri uma distância deles. Mas eles não peidaram, não, vieram também, tá, tá, tá, mais outro nas costas. O Bituca gemeu.
Despontei na Conde de Bonfim voadão, o Bituca quase caiu na curva. Acelerei tudo até chegar na ladeira do morro e subi com aquela sagacidade de quem sobe todo dia. Me meti pelas vielas até chegar perto do mato.
Vambora, cumpade, sai daí.
O Bituca nem se mexia. Olhei pra trás e ele tava de olho fechado, como se tivesse dormindo. Saí da moto e sacudi ele.
Acorda, parceiro, acorda.
Quando botei a mão nas costas dele, que eu senti o melado escorrendo. Deitei ele no chão, dei uns tapinhas na cara dele e ele acordou.
Porra, Espeto, eu tô fudido, irmão. Já era. Me deixa, que eu vô ficar por aqui mesmo. Agora não tem volta.
Ô Bituca! acorda Bituca!
Já tinha apagado de novo.
O cara era foda, sangue bom pra caralho. Sempre comprava meu barulho quando eu arrumava treta com alguém. Sempre me defendeu quando nego queria me pegar. É, morreu me salvando da bala dos canas e ainda conseguiu vir até o morro com uma mão em mim, a outra na bolsa da coroa.
Fechei os olhos dele e falei, ô meu irmão, vai com Deus e olha por mim lá de cima.
Peguei a grana e me entoquei no mato.

por Bárbara Boneca

Venho por meio desta comunicar o início de minha infelicidade. Que fique registrado que há pouco me considerava longe de miserável. Não muito perto do êxtase total, porém mais alegre do que me considero hoje. Até aqui meus sentimentos ordinariamente especiais ainda não haviam me escapado. Porém de súbito não sinto mais a capacidade de amar ou ser amada.Até a presente data as pequenas coisas faziam uma diferença para a minha pessoa. Hoje posso ver como é plena a falta da frivolidade em minha vida. O foco se torna ainda mais claro de meus deveres e obras a serem executadas. O amor abandona meu corpo, não, não é meu coração. Meus amores me tomavam, tremelicavam, tamborilavam. Eram amores tremores.Não acredito se tratar de uma fase, e sim do encontro com a vida, vista por todos como fonte mor da infelicidade geral. O mundo real me apresenta a infelicidade: um prato azedo com uma conta que assino sem prazer nem culpa, apenas o dever. Percebo neste momento que tudo que vivi de feliz foi o suficiente. Devo estar grata pelos momentos em que não percebi quão breve seria. Muito pouco tempo depois encontrei o vazio que hoje me preenche.De crise em crise existencial tentava descobrir o que me fazia triste, sem saber que não era tristeza, era apenas insatisfação. As dúvidas me faziam mais confusa, porém nunca menos feliz. Tentativas vãs de destaque pessoal me mostraram que eu só queria ser igual a todos. Não pelo que visto, não pelo que minto, não pelo o eu sei, apenas pelo que sinto. E sendo infeliz posso afirmar: hoje me sinto normal.

Centro Nervoso
por Vinicius Longo

- E as mídias? Como andam? - Pergunta o jornalista

- Elas andam muito mal - Responde o doutor

Não é de hoje, que você deve ter notado que as mídias como um todo: Jornais, revistas, rádios, Tvs e internet andam um pouco estranhas. Meio caladas, quero dizer. Caladas umas com as outras. Isso mesmo! Para quem é jornalista, está se formando, ou está desempregado, arrumar um trabalho dentro da área é muito difícil, com um bom salário então RARIDADE! A questão é: - Porquê isso está acontecendo?
Novas pesquisas revelam que o consumo pela internet já tem ultrapassado a TV, pelo menos na Inglaterra. Em 2005, no Brasil, a internet comercial completou 10 anos (saiu até um especial na Folha de São Paulo) e o que isso representou de mudança na sua e na minha vida? Nada! Nada? Você tem certeza?
Bom, felizmente na minha vida mudou muita coisa. Em apenas quatro anos pude conhecer mais de 100 mídias, entre elas zines, jornais de bairro, culturais, sites culturais, jornalísticos, tecnológicos, blogs. Isso apenas no Rio de Janeiro. Se falar de mundo, eu posso tranqüilamente falar que perdi as contas. Aí você pergunta se mesmo com muitos veículos, o campo de trabalho ainda é muito reduzido e os salários muito baixos. Bom, cabe a você mudar isso. Não sabe como? Bom, vou te dar algumas dicas.
Desde o começo do ano, um grupo de pessoas interessadas em discutir a mídia carioca (e como um todo) tem se encontrado mensalmente na AMAL - Associação de Amigos e Moradores de Laranjeiras e vêm produzindo boas parcerias. Conversando sobre como mesmo os "pequenos" podem produzir notícias de interesse comum e que sejam de utilidade pública.
A dica é: - Saia de casa, faça um passeio e conheça pessoas interessantes que possam lhe ajudar a desenvolver seu negócio em comunicação. De casa, sentado na cadeira, digitando como estou agora, lhe garanto que é muito difícil.

- E qual a cura doutor? - Pergunta o jornalista.
- Bom, a cura é elas serem mais sociáveis...eu acho! - Responde o doutor

Quem quiser participar, é só entrar na comunidade do orkut: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=7996152 - O nome é Centro Nervoso...

De lá, nós falamos mais e melhor que isso. Você conhecerá outros mídias que estão vivendo como podem. Agora a questão dos baixos salários, meus amigos, eu deixo para outros artigos futuros. Tudo isso, deve ser porque estamos vivendo uma terceira revolução industrial e mais uma vez, o capitalismo reduz a vida de muitos. A questão é sobreviver como pode. Com a corda no pescoço, mas certo de que você morre por ser honesto.
Por falar nisso, já fez sua boa ação de hoje? Ou esqueceu...

Vinicius Longo*
* Coordenador do Centro Nervoso.

Centro Nervoso é um encontro mensal, não conclusivo, das mídias alternativas, comunitárias e afins do Rio de Janeiro - Projeto que faz parte do site Eletroliterária, do jornalista Leo Almeida. Coordenam o projeto ainda: Luciana Ribeiro, Joana D´arc e Ellen Novaes.



Nova York
por Tainá Del Negri

Andar por Nova York. É essa a questão. É esse o tesão da caminhada, do mexer os pés. É como andar no centro do Rio. A câmara escura é o guia, o consentimento para se sentir local. E mantendo, ainda, o sentimento da primeira vez, mesmo sendo várias vezes. Virgindade de sentidos, buscando sentido no olhar. Olhar por ele mesmo. Trazer Nova York à tona, como se familiar, próxima, irrestrita. Pelas ruas do Brooklyn ou Manhattan, perseguindo minha percepção, multiplicando as percepções.
































* fotos e textos: Tainá Del Negri






Devaneios dirigidos


Rompendo rasuras religiosas
O inferno inexiste
Por mais insistente que seja a cultura
O inferno inexiste
Líderes de doutrinas dogmáticas gozam...
Vassalos de posto próspero pregam...
E eu? (risos) termino...

Diego Tribuzy



AO LOUCO MAIS PRÓXIMO DA VERDADE

Um louco
Sem máscara
Sem fantasia
Sem personagem
Um louco muito à vontade

Vestido
Só de realidade
Nenhuma fraude
Loucura de verdade
Marcada na pele
Exalando pelos poros
A loucura
No fundo dos olhos

Estou farto
Dos falsos bêbados
Chega
Do engodo dos cabelos
cuidadosamente desarrumados
diante dos espelhos
nítidos da mais clara vaidade
Chega dessa palhaçada!

Quero o louco
À vontade
Vestido
Só de realidade
Sem limite ao corpo
Um universo
Sem extremidade

Bruno Borja



entre o amor e a loucura

corri com mil cavalos corredores
por sobre as pradarias dogmáticas
das inverdades frias e asmáticas
globalizadas pelos mercadores

comi com mil glutões descontrolados
as máximas humanas já escritas
depredei túmulos, violei criptas
dialoguei com seres abortados

na busca da verdade absoluta
achei, enfim em quem acreditar
em meu peito finquei um altar
e dediquei-lhe toda minha luta

crucifiquei-me dentro dos vitrais
depositei-lhe toda arte pura
e, em permuta, ganhei a loucura
que me acompanha desde os ancestrais

Gárgula



Excitação

Estava numa destas cidades Sempre
tipo a Big Apple, ou México City
sempre alguma coisa está para acontecer
ou que já tenha acontecido
que nem deu para perceber
coisas que nem mais se lembre
nem mais você as cite

O Rio de Janeiro é uma cidade Sempre
de uma paisagem que agride durante o sol até o anoitecer
ou que já tenha de novo amanhecido
que nem deu para responder
ao seu pedido de sempre:
me Excite! me Excite!

Rodiney da Silva e S. Jr.



Silêncio

Escute o vão
O silêncio
O calar do som
Um contra-anseio peralta
O branco nas pautas
E suas infindas pausas
Insuflação divina à arte
O vazio em alarde
Que se parte....
No ranger dos dentes;
No pulsar dos corpos;
No querer de um povo;
No erigir da vida ou no esvair da tez
Insistes em não se exibir silêncio
Pois há de existir
No não ouvir da surdez

Marcelo Felippe