Editorial - 6ª edição



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* Para acompanhar o lançamento dos próximos números da Palavril, envie um email para: palavril@gmail.com

Poesias






ESCOLHA TRÊS CARTAS

a carta amarga
avisa
por dentro do símbolo;
atesta
que a festa
suspira em último
um corte ríspido
no tempo.
a face
da carta oculta
traspassa
o que há na culpa
assassinada ao relento.
a imagem
que se destaca
cata
um por um
os instantes que pregam
em painel inscrito
a vida no infinito.

veja nesses ícones
o riso insolvível
no ácido da lágrima,
a interface
de grafismos
que assassinaram a morte.
consulte sua mão
que pode
escolher a esmo,
mesmo
movida a medo,
cores de sangue
ou
outro exangue enredo.

Carlos de Hollanda


na orquestra da palavra
esteja inteiro o violão
que sem um o vira viola
e sem o outro vira vilão.
mas se tira os dois já vira vila.
e eu,
involuntariamente aceito a cor da corneta e a cava do cavaquinho.
também,
o tamborim tava pelo meio e eu pensei que fosse tambor,
aí ele se fez de bumbo...
mas se tu me arrumasse um za agora,
eu arrumava mole mais um a e uma vareta pra nós montá uma zabumba.
e quem me salvaria assim... uma sanfona?
que suavemente percorra esse som !pum! de percussão,
que baile sorrateira arrancando sorrisos de rostos colados,
que arranque e carregue o pique e o repique do !pan! do pandeiro,
enfim,
que tudo isso junto me chacoalhe e me chocalhe.
axé!
bongô!
agogô!

Dudu Pererê



UMA PAUSA

Na paisagem oculta
da noite
a indecisão
um livro, uma canção
um blues.
O que a fala
não revela
o pulsar do ciúme
sem destino
último instante
um diário ferido

Almandrade



Um cheiro vagabundo ecoa no ar.
Um canto de um vão de um quarto nos arcos da lapa;
sombria e linda, que ecoa
os altos tambores aos altos senhores, os altos temores,
aos menos nobres
amores.
A lapa vagabunda,
que ecoa essa energia vivida,
de quem tem muito o quecontar,
aquela lapa malandra...
que não passa de uma criança...
com fome.
O cheiro vagabundo no ar;
a madrugada sonolenta de quem não consegue parar,
revirando pela cama,
o vendedor de trampo que talvez não saiba
amar!
Contorcem-se braços,
gargantas,
tranças,
entranhas,
gritos no ar,
aquele aceso quarto de dois mortos tentando sonhar,
alimentando-se de pele,
epiderme, mordida, ferida, tatuar,
marcar o primata artesanato
de quem nem pára pra pensar,
mora naquela lapa malandra
que é uma criança que tem tanta fome,
tanta fome, fome..fome... que nem pára pra amar.

Joanna Barros

Poeta

Debí correr no Cielo entero:
Oro de amor, loco, obrero
Invisible en Mundo, aparecido
En Sur que me deshiela...

Cuando nací morí primero,
Cuando morí viví un segundo.
Primero y no un segundo viví:
Animal, poeta puro.

Músico del futuro frío...
Iluminado, inclemente crío.
Pintor, escultor lúgubre de río:
Manumisor de Sonido.

Reinar escándalo, Comedia,
Disipar belleza que transtorna.
Vivir: Tocar a la que se transforma.
Constante e irredenta.

Crepitaciones te consumen
Poema, laberinto de ciego.
Poesía: Lumen que penetra himen.
Enigma del supere ego...

Salomon Valderrama



O que posso fazer?
Do que ficou, não resto
É toda uma ânsia.
Pratico o fim diariamente
Mas nestas tardes sinto-me belo
Vazio como tudo que é puro
Sem força alguma pra rir ou chorar
Mas nem é isto.
É que nestas tardes, como
Sou nada, sou música,
Trafego em espaços variados
De harmonia.
Depois tombo, o sol também
Tomba, vem lua, com ela
Todos os sonhos do mundo.
Finjo que durmo e planejo
O fim, sim, definitivamente.
Mas dá um trabalho!
Quanto mais vazio mais existo
Cada vez mais longe, penso
Que estamos juntos, eu e
A angústia do mundo,
mas ela me abandona
Todas as tardes

Renato Limão

Contaria



Compra noturna
por Rafael Alvarenga

Chovia. A umidade murchava o acúmulo de poeira adormecida nas saliências do cimento velho. Os fios elétricos ziguezagueavam no alto da viela. No chão as manchas de luz irregulares pareciam pinceladas turvas. As marquises cansadas ameaçavam desabar em sono profundo. Eu caminhava sob elas em busca de carne feminina. E não longe, nos cruzamentos das vielas, multiplicavam-se mulheres seminuas, arrepiadas pelo vento gélido, fumantes de cigarros companheiros e/ou aquecedores. Na contínua lentidão da caminhada bastava escolher o recheio de uma mini-saia qualquer. Talvez a vermelha. Certamente a vermelha. De fato tudo é já sabido. Não se diz “oi”, cobram-se oitenta e fecha-se um negócio para abrir outro. A porta do motel parecia encolher-se receando poças sujas transbordantes que se aglomeravam nos cantos. Entramos, subimos uma escada que já desabou de velhice e embora reerguida ainda gritava como se sentisse o peso de nossos pés. A economia de luz encontrava sustento desculposo na suposta criação de um clima vulgar. Antes de adentramos no corredor que levava aos quartos, alguém recebeu o pagamento do trabalho do recheio da mini-saia vermelha e o valor do provável cubículo que havia de sustentar o ato. Alguém “essa” capaz de causar uma excitante atração. Entretanto alguém que apenas vendia ou recebia o pagamento do trabalho de outros “alguéns”. Desta vez as sílabas invertem-se, e o hábito de ouvir ali a pronuncia do “oitenta”, afoga a intenção minha, que ouve um “oi” quase estúpido daquela balconista-recepcionista. Retirei então, as cédulas da carteira e recebi o chamado apressado e gemido do recheio da mini-saia vermelha. Na parede, um quadro acima da cabeça da balconista- recepcionista, tinha a seguinte inscrição: “Fiado é em casa que se pede”. Recebi a chave e o troco. O segundo, posto de volta entre as duas tiras de couro da carteira, e mais o obrigado cuspido, foram mastigados pela gula que engolia a realidade e acompanhava as ondulações vivas do tecido vermelho pelo corredor. Diante da porta do quarto o sete pregado sovertia-se na ferrugem. Na fechadura a chave desencadeava a abertura da volúpia. Fechada a porta, acesa a luz envelhecida do abajur, criavam-se sombras esdrúxulas confundidas com a sujeira. A pouca roupa da mulher escorregava pelo corpo oleoso. Dois seios estriados precipitavam-se sobre meus olhos, a carne frouxa, bambeava sem a compressão das tiras vermelhas, porém ainda tentava ser sedutora. A mulher circulava, ondulava-se, rebolava sem música num ritmo inefável. Era vaga e desinteressante. Sua carne tremia naquele vai-vem. Ela falava, apertava, pedia; quase gritava, mas não havia necessidade para tanto. Não havia dor e quase não havia prazer, apenas o fim iminente. Persistia o trabalho, a cama rangia; até o vai-vem confundir-se com tiros. A mulher paralisou-se. Interrogou-se, não me interrogou. Continuava a chover. Alguém bateu na porta, ouvíamos gritos. A preocupação da mulher foi tão grande que o quase prazer parecia não ter existido. Ela tentou vestir-se ou trapacear-me; insistia em sair. Eu a segurei cravando com força ofegante os dedos grossos nos seus braços. Exigia o prazer já pago. Medimos força, quebramos o abajur; entretanto a luz não se apagou. A mulher gritava, eu rasgava a mini-saia vermelha. Queria prazer! A lâmpada de baixo da cama escurecia o quarto deixando-o cada vez mais nu. Meus socos provocavam pânico. Os gritos e o choro de dentro do quarto escapavam e confundiam-se com os do corredor. Por um instante tudo era excitante e igual. Alguém forçava a porta. Eu forçava a mulher que amanhã vestiria uma mini-saia branca, prateada ou azul. A vermelha jazia rasgada em tiras pelo escuro do quarto. Enquanto a porta foi arrombada algo foi deixado com prazer no recheio da mini-saia vermelha. De súbito fui acertado na nuca. O desmaio foi inevitável.

_E isso é tudo que você sabe? – perguntou-me o delegado.
Eu limitei-me a balançar afirmativamente a cabeça.
_Bem, - continuou a autoridade - o segurança do puteiro, no qual o senhor se divertia, relatou uma briga com uma gravidade muito maior. Isso gera uma queixa. Mas na verdade eles é que tem que se explicar melhor, o caso está muito mal contado.
Aproveitando as palavras do delegado, tentei me explicar.
_Não, houve sim uma pequena discussão. Eu mesmo aqui já lhe disse. Mas nada que possa ser relevante. Como ela não queria terminar o serviço eu realmente me irritei. Ele após ouvir o meu relato, confortavelmente sentado em sua cadeira, inclinou-se para frente cruzando os braços sobre a mesa e contou-me o caso:
_É, o caso parece ter sido um assalto seguido de homicídio, mas todo esse emaranhado tem problemas. Primeiro a “balconista-recepcionista”, como o senhor dizia, chamava-se dona Eva. Ela era uma mulher que sobrevivia através de uma prática ilegal: Explorava o trabalho daquelas prostitutas. Dos oitenta reais cobrados, vinte eram pelo aluguel do quarto, enquanto os outros sessenta eram divididos entre dona Eva e a prostituta. A mulher que lhe prestou os serviços chama-se Valéria, a qual envolvia-se nas horas vagas com um dos dois seguranças, o Roberto mais conhecido como “Bebeto”. – o delegado volta às costas para o encosto da cadeira e continua – Alguém entrou para assaltar a caixa registradora da dona Eva, ela resistiu e levou três tiros. O mais intrigante de tudo isso é o desaparecimento repentino e pertinente, a meu ver, dos dois seguranças no momento do assalto. Eles disseram que estavam no banheiro, os dois.
_Bom, então eu estou dispensado? –Perguntei levantando
_Sim, sim. –disse o delegado. – Se precisarmos de você novamente será avisado. Mas por enquanto é só. Afinal não acredito que a queixa da prostituta vá mesmo ser oficializada.
Eu saí lentamente com um leve incômodo na nuca. Precisava de um trago para dormir. Talvez dois. Ainda chovia.

Crônica




URBANOS
por Maria Luiza Falcão

Meus livros são urbanos. Eminentemente urbanos, como eu. As personagenssão nascidas nos grandes centros ou, aglutinadas por eles, perdem todae qualquer ligação com a sua origem. Conheço os males urbanos. Dosque me são familiares, discorro com facilidade. Ao contrário do quemuitos pensam, não é difícil encontrar dramas na alta sociedade. Osricos também sofrem. Em alto estilo, é verdade, mas... diante deinimigos ferozes, muitas vezes toda uma fortuna pesa e agride pelaprópria impotência. Todo recurso disponível não consegue evitartragédias... não cura o incurável... não resgata a vida. O dinheironão compra bens interiores: amigos... família... amor... Eu sei disso,passiva e ativamente. O que não se deu comigo, eu vi de perto... A dordos semelhantes... Dos outros males urbanos eu busquei saber. A dor dosnão semelhantes me parecia distante, inatingível, sem importância...mas eu fui atrás. Perguntei, fotografei, pesquisei... Descobri ummundo de desgraças de A à Z, de todos os tipos, para todos os gostos,da mais alta a mais baixa posição social. Me especializei nisso. Falodas pessoas presas entre quatro paredes, sejam elas de tábuas ou detapetes persas. Dos que circulam pelas vias, a pé ou nos importados, eque são igualmente alvos perdidos de balas certeiras. Dos que estãodentro e fora das grades, nos presídios ou nos condomínios de luxo.Dos perdidos, sem saber o que fazer com o que têm ou não. Dossentimentos e emoções emparedados com a argamassa do progresso.Masoquismo meu? Não. Nem deles... O paraíso terreno é um mundodistante, talvez mesmo, lendário... Uma utopia. O mundo cresce eparece girar mais rápido a cada dia. O bom e o bem são escassos... Osmaus e os males se alastram... A guerra vive na própria paz. Nãoexiste felicidade, apenas, talvez, momentos felizes e, cada vez maisínfimos. O resto, é o real. É onde as pessoas vivem, onde elas serealizam como podem. É o que elas identificam e entendem comoverdadeiramente possível.Muitos consideram o meu trabalho extremamente criativo. Estãoenganados. Ou são cínicos. Eu escrevo a verdade, e muitas vezes, aminha... Mas, a verdade está fora de moda... ninguém mais acreditanela... está em desuso. Mais vale uma boa mentira...É o que eu faço.

Prosa



Lapa
por Rodiney da Silva e S. Jr.


Numa palavra: imprevisível. Como o homem, imprevisível. Quando menos se espera a luz do sol perpassa os seus Arcos, assim como a noite, a luz da lua ou dos holofotes cegam os olhos de seus mendigos querendo descanso, de suas putas e travestis querendo dinheiro, de suas meninas da zona sul querendo homem, de cancioneiros vadios que saem da boca de boêmios saudosos dos vadios dos 19.
Enquanto todos os recantos e cantos desta cidade dormem, ela está acesa, acordada, qual guarda noturno com insônia. Seus cavaquinhos zunem pelas paredes cansadas, que já têm a mostra tijolos centenários. Os bambas e sambas ressoam pelas ruas e pelas bocas de sedentos homens e mulheres que buscam em suas entranhas o vício que nos faz continuar aqui.
As ruas que jorram dos seus Arcos oferecem delícias para o de gosto até mais requintado. Carros, ônibus eternos vão e vem. Pessoas eternas frequentam. É como se seu céu fosse feito de película eterna, que não se desfaz. Sua lua é de textura e de tinta interminável. Sua treva é tão viva qual dum inferno sem Deus e sem diabo. Suas ruas sorriem com a contemporaneidade, mas, as vezes, derrama uma lágrima pueril e saudosa dos Mallets, dos Olavos, dos Raimundos, dos Joãos e Marias de outrora. Mas, qual uma deusa Phoenix, renasce. E nesse renascer permanece a mesma. A mesma e velha Lapa.

Croníssaras


por Rod Britto

Croníssara: um ‘vril’ a eles todos que tem pseudônimos infiltrados

Mais uma crônica. De nome Croníssara, das Croníssaras, todas delas indesejáveis, o meu mostrador possível, aqui, infiltrado, Alex Topini. Será o nome dele mesmo? Topini, não seria um derivado de top de linha, invenção dele, com pretensão do tipo, deixando-se infiltrar pelo ini do não igualável? E, afinal, não sou eu quem infiltra mais, inda indo na Palavril? (desde que passei a chamá-la ninguém veio me chafurdar para chamá-lo, só pudera o masculino. Chafurdo eu. A questão eu pus no ar – primeira ou segunda croníssara, acho mesmo que a primeira, nem chamava ainda assim, croníssaras. Então optei ali até aqui pela moçoila Palavril. Meu aceitador executor, o Topini, este muito do macho embora não tenha eu muito infiltro para isso. Vendo-os crescer, tantos acompanhantes, por 4 números até agora, ou um erro proposital, companheiros, ainda bem que juntos, respeitando-nos, mais pra mais do que pra menos, vivam as poesias menos assistenciaaaiiisss! do que as sociaaaiiisss! Que mané depressão o quê, pela internet pouco se confirma isso, ou votos de solidariedade. Uma mediazinha, né? Mas serão mesmas as boas novas que por aqui aviso, alvissareiro? Cronista sim, isso com certeza. Eu. Crônica. Ela escrita por mim, assino, Rod Britto. Coisa de nomes: crônica infiltra nas alvíssaras, perdendo a parte de trás; um viva à libertinagem das línguas pela censura das garras tampouco amorosas. Croníssaras. Assino. Só não quis manter o circunflexo do o, atentem a isso exibidores, um em específico. A eu, Rod Britto. Pois não, Topini, o que você quer? Assunto. Deixa pelo menos eu fechar o parênteses que se viajou na de se alongar demais, pronto, daqui não sai mais))))).
Tão tá, Top...
Antes de mais nada, só mais isso, na boa, como eu ando dando como andando vivas nestes textos, vivendo a uns e outros, assim desaconselhando no geral, repararam sós. Concorro com as minhas coisas, ora bolas. Agora, então, vou mudar o nome, não a intenção, acho também que a intensidade ao comunicar, é: um ‘vril’ a eles, não mais um viva, é um vril; tentemos voltar linhas acima e ler de novo os sociais, no plural, uns vris.
Tão tá, Top, Tão tá Top, tó tentei totem tu tomenage...
Sem mais adiar, a croníssara do mês: O que nos acomete, de banda, é percebermos o quanto neguinho hoje quer expor o nome por aí, publicidade, celebridade, eu, você, outros exemplos se anulando, nem pensar em super gastos pela exposição, painel. É de tirar sangue. A parada é colar do jeito que der. Cê tá me entendendo? Sendo bem por aí, neguinho nem pensa mais em se pôr um pseudônimo, enganar as cousas, afinal, não vende peixe nenhum mais esse tipo de pilhagem, antes acostumava o emprego na literatura mundial. Já temos que brincar a colagem pra pessoas a partir de zero anos, e nada de espinafrar ou pôr as idéias na boca que não a banca. Assim tornamo-nos conhecidos, o que queremos enquanto escritores, portfolistas, jingles-man, amanuenses, homens-sanduíches, mais nada, não daria mais. E hoje podemos ter a quase certeza que nos textos que lemos da galera nova, seja ficção ou não, o nome que os assina é o nome verdadeiro da pessoa, quase sempre, esboça já as f(r)ac(g)ilidades que se vierem lhes infiltrar. Consta exceção a isso, para citar apenas alguns: Diogo HenriqueS, Monotelha, Berimba de Jesus (e seus dois a +), Thiago Oliveira, este O Bardo, com bons trabalhos circulando atualmente pela Praça Nossa Senhora dos Fazeres sem Entraves. (ou eles se chamam assim mesmo, de nascença – ah, não sei, não sou jornalista, não saio a apurar nada, nem imparcialidade; sou possível celebridade com meu nome e tudo, opiniões ao que perguntarem, sem adivinhas, ora lá, vou como quase todos os outros, no sentido oposto desses escritores desafios. Então foi. Assentido no mérito da questão, invasor total, Parlovil. Um vril (que era viva até as croníssaras batizadas) a eles! um vril a eles todos! Pra você também Top, um vril. Valeu, Rod, valeu. Eta! Parêntesis mais frágeis esses de teclado, que não seguram nada)))))))))).


* Rod Britto é jornalista e editor gratoporlembrar@gmail.com

Palíndromos


Por Marcelo Ricardo

ROTA DE REDATOR:

levar o memorável.


"ÓTIMO VÔMITO":

palavras amáveis.


XEQUE-MATE MÁGICO

-Oh! a Torre derrota-o!

Fotografia



Cinco Cliques e uma Pena

Fotos: Tanda Melo
Textos e poesia: Nei Schimada



... " eu a vi numa comunidade do orkut dizendo que era fotógrafa e gostava de literatura beat. Pensei: quem é essa doida? E era essa poeta da lente. Nunca nos conhecemos ao vivo, ela no Brasil e eu no Japão. Quando entrei no site dela foi amor à prima vista. Fiquei fascinado com o olhar. Sabe aquela sensação de 'como não pensei nisso antes'? Pois é. Talentosíssima, misturo o nome dela dizendo sempre Tandíssima. "



Contaria




O Pobre Diabo

por Elaine Pauvolid


Se tivéssemos um bom regaço para descansarmos de nossas batalhas, talvez dormíssemos mil noites através delas. Das donas dos regaços. Mas, só temos um pouco de conhaque guardado pelo capitão — ora sim, capitão... e um monte de homens amontoados e fedidos. Sim, as batalhas foram muitas. Também em quantidade tivemos mulheres. Belíssimas, outras horrorosas, doentes ou sadias, todos nós aqui tivemos muitas. Mas nesta noite e nas outras tantas que se passaram desde o dia terrível não temos nem mulheres, nem álcool e nem fumo. Nada que nos possa libertar da lembrança terrível de nosso fracasso, ou acalmar um pouco a nossa sede de vingança.

Por ora, a lua está conosco. O mar não está agitado e talvez cheguemos em terra antes do final da semana. Meu Deus, mas que saudades de Joana... Sinto o seu cheiro no meio desta imundice. O cheiro que ainda não conheço por completo e isso é o que mais me inebria. Um cheiro doce e limpo, lavado dos destinos e passados que me rodeiam. São alvos dezesseis anos encarnados numa flor, que de mim só conhece a melhor parte. Ah, mas que terror brotaria dos seus olhos se me visse agora e sentisse o cheiro fétido que brota desta cama de tábuas. Ah, se me visse agora, jamais me reconheceria. Viraria o rosto ao pai... Ele me olharia nos olhos, tocaria as costas da filha e a tiraria daqui muito rápido. Rápido o suficiente para que ela não se desiludisse tão cedo e estragasse os planos de nosso casamento. Eu, um homem honrado. Honrado pelo dinheiro que trago nos meus baús. De honra só conheço a da espada e sei que ele está me vendendo a última das filhas, por uma ninharia.

No dia seguinte às minhas divagações sobre o amor, pareço acordar em outro mundo. O sol não permite mais nada de doçura. Mais que o sol, os risos e gargarejos dos homens ao meu redor, trazem-me a um mundo árido. Meu corpo não me pertence tanto como ontem, ou eu sou outro, diferente de ontem. Tão diferente que Joana não me diz mais do que uma leve bruma do passado. É hora de acordar. Jogar água na cara suja e falar em mortes. Muitas mortes. Principalmente a dos responsáveis por nosso degredo. Se eles não nos acharem antes, nós os acharemos.

Não me agrada lembrar do horror de nosso combate. O ódio me faz salivar e não querer mais nada que o gosto de fel ainda mais forte em minha boca. Encho-me da água que posso usar e a atiro longe, como que para evitar que ela me lave de minha vontade de limpar meu nome da mancha da humilhação. Estávamos dormindo quando fomos atacados. E bêbados. Eu sonhava com uma mulher. Há quanto tempo não sinto o carinho de uma mulher... O abraço do sonho tornou-se o tiro no braço. Só para me acordar, foi o tiro. Mas, foi impossível acabar com a chacina. Usaram facas. Mataram muitos que dormiam. E eu não consegui pegar nem ao menos um dos cafajestes. Estávamos tão despreparados que só nos foi permitido pular na água da vergonha e nadar quatro horas seguidas em direção ao nada. Sorte termos encontrado onde flutuar. Nossos braços não agüentariam muito tempo. O pior foi escutar o pedido de socorro dos que não conseguiam usar os braços nem as pernas. O pior ainda está por vir e nós seremos os algozes. É assim que devo pensar. Esta é a única chance de eu ainda poder ter Joana e um pouco de paz.

Teremos que esperar quanto tempo para sermos descobertos? O único lugar em que poderíamos nos esconder seria nesta choupana e nesta ilha. No raio de quilômetros de onde estávamos, é a única em que um ser humano ferido poderia chegar, por mais forte que fossem seus braços e sua raiva. Diabos, que golpe sujo, o de atacar durante a noite um bando de homens bêbados e desarmados...

Isso me faz lembrar os tantos que matei da mesma forma. Mas faz muito tempo. Meus colhões ainda não conheciam o vaivém do amor... Ah, o amor... Talvez rasgasse aqueles homens porque não tinha ainda povoado a carne no amor... Não tinha cravado meu enorme e guloso membro em carnes quentes... Sim, faz muito tempo.

Eu também poupei muitas vidas, inclusive a de padres, mulheres e crianças... Depois que consegui comprar um lugar onde eu possa morrer em paz, passei a matar menos, a selecionar quem mataria... E é isso que é pior, passar por isso a esta altura da vida. Há tempos que não sentia este amargo na língua, esta secura por sangue...

Mas estamos muito à mercê de qualquer ladrão barato nesta margem d'areia, amontoados neste barraco. Qualquer animal selvagem também nos atingiria do jeito em que estamos. Deve haver alguém à espreita. Não falta muito e nos atacarão. Onde estarão os miseráveis? Os covardes e sem alma? Bando de perdidos, sujos e infelizes... E morrerei na mão destes homens crus, que, caso morressem nesta última batalha, não teriam onde enterrassem seus corpos nus e humilhados.

E se morro aqui? Também ficarei perdido? Um naco de carne como tantas vezes pareci e resisti. Quem me levará a minha casa e tratará de dar-me um enterro de homem? Ninguém. E que farão de minha casa os meus vizinhos, os emprestáveis, que sempre me olharam de soslaio pela origem dos meus bens? Decerto o Estado tomaria minha casa, e a reformaria, e a benzeria e lá colocaria uma família da cavalaria. Um jovem tenente, sua jovem esposa e seu par de filhos limpos...

Preciso fugir daqui, o quanto antes. Se morro na fuga tanto melhor que morrer numa luta em que não há chance de vitória. Embrenho-me agora mesmo por estes matos, sigo o quanto for possível, cruzo a ilha, torno-me selvagem, mas, sobrevivo. Danem-se dinheiro e casa. Que façam bom proveito os que ficam para trás.

Adeus, Joana... Deixo-lhe também à espera. Ficarás velha e ressequida a me aguardar, a se guardar... Mas, preciso fugir da morte. Preciso sobreviver e será difícil encontrar o caminho de casa. E se encontrá-lo, e se voltar, Deus queira que esteja à minha espera. Seu pai não tardará em vendê-la a outro quando souber do que aconteceu e calcular a minha demora. Prejuízo meu esta viagem, perdi você, perdi meu futuro calmo. Mas, o que esperaria da vida um pobre diabo como eu?

Elaine Pauvolid, poeta e escritora publicada.

Poesias


CABEDAL

Quanto ainda me resta?
Um minuto e uma saudade
Um livro não escrito
E meia dúzia de idéias...
Pilhas de contas p’ra pagar
Um crédito na locadora
Um CD no porta-luvas do carro
Que não pude ter...
Uma dúzia de amigos
E frutas na geladeira
Um terno amarrotado
E uma bainha por fazer
Um par de sapatos italianos
E um surrado da Adidas...
Quanto ainda me resta?
Três congelados no freezer
Meio grau de miopia
E um jogo de copos de cristal...
Um calendário de 89
Um álbum de fotos de família
Sem cabedal...
Duas almofadas
Uma Montblanc e uma caixa de grafites
Sete cartas de amor
E um destinatário incorreto...
Quanto ainda me resta?
Um tapete persa Tabacow
Meia garrafa de sidra
E uma aliança de noivado...
Uma agenda de amigo oculto
Um telefone de disco
E o eterno esquecimento...

David Cohen



Ser Latino

Sou um amante latino
latindo em seu ouvido
e criado por ti
Sou um pedaço de terra invadido
delineado estrategicamente
e explorado até hoje
Sou fruto do vosso ventre (Jesus)
fruto da tua exploração
Criatura contra o criador
caricatura do ser primitivo
moreno e primitivo
sedutor e primitivo
promíscuo e primitivo

Diego Tribuzy





Me depilei toda para voce, o rosamatizado do meu desejo,
Camuflado vermelho chamador das lambidas profundas.
Não me arrumo para quem conheço. não acerto.
Sou eu, desleixada e aflita que faço a mira e acerto.
Atração indiscreta que cerceia a razão com lampiões coloridos.
Lampiões e velas.
Vela quente como a sua. Pele branca, carnuda. Pescoço morder.
Lembro o coito de ontem.
Sê futuro inescrupoloso, me reviraria zombeteira circense.
Desaceleraria para os suores grudarem.
O pulso ululante, calmaria no auge,
adiando a chegada do trem na estação.

Maristela Trindade




INSANAMENTE EU

Insanamente louca
Me lancei dentro do abismo
Me sonhei voando vento
Ventania bêbada
Brincando de cambalear
Pelo meio-fio do ar.
Insanamente livre
Resolvi deixar de ser
Simplesmente entregar-me
À ação de não ser
Mas troquei algumas bolas
Perdi alguns parafusos
Entortei-me, retorci-me
Resolvi voltar a ser
Agora um ser mais torto
Talvez algo menos morto
Mais ser eu do que não ser.
Insanamente torta
Desengonçada, na calçada
Dançando passos vacilantes
O pescoço inclinado
Torcicolo até no pé
Um enjôo de ressaca
A cabeça dolorida
E o mundo girava
E eu Eu apenas me deixava
Me voava vento
Me entortava louca
Insanamente louca
Insanamente torta
Insanamente vento.
E assim, O abismo me sorriu
E eu enlouqueci em paz.
Me deixei enlouquecer
Como tinha que ser.
Insanamente eu.

Giulia Drummond Battesini


Da roça marginal

Quero assim
a palavra rural,

parcela vulnerável e
terrestre

mas em essência
plural

Complexada e irrequieta
como aqueles
velhos sem
paciência
de sentimento ventre

Sincera
enquanto diferente

Desatenta
em repetida
reminiscência

Fosse couro,
Fosse força
Fosse fácil
Fóssil ou fosso

Qualquer parada
natural

Talvez
lama
lavra
gama

Inda que fértil
e defeituosa

livre-débil e prosa

Quero-te terrorista
e abismal

Que una
os sentidos repelidos

da palavra pênis
ao palavrão pau

Caio Carmacho


Cordel da Mulher...



Homenageio à Mulher
E faço deferimento
A mulher é nossa luz
Estrela do pensamento
Uma galáxia infinita
Nas ondas do firmamento...

Sem mulher não tem História
Nem vida nem nascimento...
Da mulher nasceram deuses
E o Deus do sentimento...
Nasceu Buda, Jesus, Zeus
E muita gente de talento...

A mulher é a semente
Que germina a humanidade...
Dá mulher brota o homem
Fecunda a sociedade...
Sem mulher não se tem graça:
Se tem mulher...
há liberdade...

Da mulher nasceu o Cristo
Gandhi, Lennon, Maomé
Santos Dumont, JK
Castro Alves e Pelé
A mulher faz a História:
Com amor, trabalho e fé...

Da Mulher tudo provém:
Até mesmo a divindade
Desconfio que o Deus
Tenha feminilidade
Na costela da mulher:
Nasce a felicidade...

No umbigo da mulher
Germina a panacéia
No olhar da Pitonisa
Na boca de Almathéia
Na coração do planeta:
Palpita a alma de Rhéa...

Salve a mulher todo sempre
Todo hora, dia e ano
...Na mulher eu me inspiro
Nas sereias do oceano
Nas Amazonas dos rios:
Mulher em primeiro plano...

Nota 1000 às mulheres
Por tudo o que elas são
A Mulher é Natureza
É a beleza em ação
A Eternidade é Mulher:
Num infinito coração...

Gustavo Dourado

PARATIPSILONE

CÉU MUTANTE ROYAL ESPELHADO ESPELHANDO
UM NIGERIANO CANTANDO EM INGLÊS
RIMANDO O RAP DO SOL QUE NASCIA
ENQUANTO BEIJOS SOAVAM COMO CINEMA
TODO MUNDO ERA BONITO NAQUELE LUGAR-MOMENTO
FANTASIANDO CAIPIRINHAS DE MORANGO
ESCREVENDO UM FILME QUE VIROU FOTONOVELA
PESSOAS INTERROMPIAM SEUS JANTARES
LOUCOS GRITAVAM POESIA INTERPELANDO OS GARFOS
OUVIR A POESIA ALHEIA...
DESACOSTUMADOS, ANORMAIS, SUBLIMES...
"POETRY IN THE TREE, DANIEL!"
ARARAS COR-DE-ROSA ACOLHIDAS NO CHAPÉU
COCO VERDE, CHAPÉU-COCO, ÁGUA QUE ARDE
PAREDES BRANCAS
A HISTÓRIA
FOTOS PASSANDO
UM FILME É UMA SEQÜÊNCIA DE FOTOS
INEBRIADOS DE COQUEIRO
A PEQUENA ENVELHECIDA
INEBRIADOS DE POESIA
PALAVRAS ETÍLICAS, ENCONTROS COM O ACASO
DO ACASO, POR ACASO, PARA O ACASO
TRISTE OCASO AGORA
BONECOS FAZIAM CIRANDA EM PRAÇA PÚBLICA
E A REPÓRTER TREMIA DE TIMIDEZ E SUSTO
CONCORDO COMIGO...
A POESIA É MAIOR QUE O COMETA HARLEM

Felipe Cataldo

Crônica




VOTO MORAL

por Luiz Alberto Machado

A consolidação indubitável da democracia é confirmada, dentre outras ações, pelo exercício pleno do voto. Por resultado de tal participação, a escolha individual se reflete no anseio da coletividade, formando, assim, livremente, os desígnios da população. Afinal, com o embate eleitoral nasce o nosso discernimento para optar por aquele que represente bem os nossos objetivos, muito embora a gente nunca tenha acertado. Pelo menos tentamos e precisamos tentar sempre. Infelizmente, com a pugna dos candidatos nasce o caos e, com ele, uma grita de discordâncias que vai se insinuando até se acentuar claramente sobre a nossa preferência. Na verdade, é um zoadeiro dos diabos que não leva a lugar nenhum. Isso porque se é para o bem da democracia, temos de fazer cumprir o nosso papel. Por causa disso somos molestados por despropósitos imensuráveis e imblóglios que mais confundem as já tacanhas frivolidades de metas nas arguições fúteis dos postulantes. É cada patranha chega dar nos nervos. Virulentamente invadem com propostas perniciosas e inócuas a nossa santa paciência, carregados de imposturas e engodos, como o de salvar a humanidade de mais de milhares de anos de vícios em apenas um mandato. Os detentores dos despautérios se compromemetem a melhorar nossa condição de vida, quando tal propositura foge das esferas de tal pleito.
Para se ter uma idéia do desplante, os intrépidos sequer encaram de frente as contradições sociais já imanentes nas questões por eles advogadas, desconhecendo totalmente a tragédia que há por trás da nossa sobrevivência. Inclusive, muitos dos que estão agora pleiteando cargos eletivos já tiveram ooprtunidade de representar nossa gente. E, apesar disso, nada fizeram ou se tem feito para amenizar as rachaduras de tais contradições. Pelo contrário, avalizaram o tempo todo tais controvérsias.
No entanto, esses incólumes pretendentes prometem deus e o mundo, azucrinando não só com os seus portentosos carros-de-som nossos ouvidos, com as mais fervorosas aparições, com discursos de meia tigela, encardidos pela força do tempo, com a imunidade dos santos e a impunidade dos desmiolados. Mesmo assim, despretigiados sob a pecha da ineficiência, fazem tudo para chamar atenção, não conseguindo esconder no bojo de suas candidaturas que por trás das decisões políticas, há todo um processo de acordo, conchavos e pizzas. E que no final das contas, sobra pra gente mesmo. E só. Perdulários, insistem em não admitir que o legislativo seja um antro de aves de rapinas, sedentas de poder; que o executivo seja o ninho das raposas obesas, sentadas sobre o baú dos interesses gerais; que o judiciário seja a preguiça absorta, contando cifrões e sentenças prescritas. Falastrões, apenas, com discursos distantes da ação inventam de tudo antes da eleição. Depois, quem vê o cara de novo morre, só 4 anos depois mesmo quando eles precisam abrir os dentes, os braços e o bolso de novo. Sem contar a nossa triste recaída de reeleger as trepeças mais reincidentes da história. Eu mesmo só vejo todo mundo dizer que fulano dos grudes não podia ser sequer eleito, quando, na verdade, o sujeitinho já tem 5 ou 6 mandatos encarreados, reeleito ninguém sabe como. Coisas do Brasil mesmo. Contudo, devemos exercer o voto seguindo o critério moral, seja na majoritária, quanto nas proporcionais. Vigilantes. O voto deve ter o sentido do dever cumprido para produzir efeitos benéficos e cobrar dos nossos eleitos que alijem todos os trapaceadores que sequer ruborizam diante dos pecados. O sufrágio universal é a nossa subscrição voluntária na participação de nossa posição antagônica mediante tantos descalabros. Precisamos exercer a cidadania e, com ela, pleitear condições mais favoráveis de vida. E isso votando consciente para que o Brasil possa contar, de verdade, com o brasileiro.

* LUIZ ALBERTO MACHADO é poeta, escritor, compositor musical e autor teatral pernambucano, editor do Guia de Poesia do Projeto SobreSites e que escreve regularmente para jornais, revistas e alternativos além de blogs, sites e portais da internet. Já publicou 6 livros de poesias, 5 infantis, 2 de crônicas além de ter vários textos publicados em veículos impressos e virtuais do Brasil e do exterior. Parte do seu trabalho está reunido na sua home www.luizalbertomachado.com.br

Literatudo



ENUNCIADO X ENUNCIAÇÃO
por Marcos Fiúza

Ao analisar as estruturas que norteiam as produções romanescas contemporâneas, percebemos que elementos garantidores de um eixo fixo e linear das narrativas aparecem borrados. Narrador, personagem, tempo e espaço não são mais entes bem definidos e delineados. Encontramos narradores que não têm o que “contar”, uma cronologia não-linear que mistura tempo passado e tempo presente, num revolver psíquico inebriante, em que não há alusões espaciais.
Dessa forma, percebemos que o enredo passa a ser um elemento secundário, pois uma “historinha” bem contada, com seus “fatos” bem encadeados, trazendo uma lógica retilínea de causa e efeito não são mais importantes. É a partir disto que entendemos a dificuldade que encontramos em ler romances contemporâneos, pois contrariamente às narrativas tradicionais, não encontramos um “princípio, meio e fim”. A leitura torna-se pesada para um leitor desavisado, já que, com a ausência de fatos, o romance irá ater-se ao ato. É nesse ponto que gostaria de amarrar minhas considerações.
Entendemos fatos como o conjunto de acontecimentos narrados pelo narrador, que, tradicionalmente, trazem o bojo ficcional e a lógica da obra. São os diálogos, as brigas, as intrigas, os acidentes, os crimes, os amores etc. Já o ato é o “narrar”, o “contar”. É o fato em produção. Literariamente, ao fato chamamos de ENUNCIADO e ao ato, ENUNCIAÇÃO. Se a narrativa contemporânea tende a valorizar mais a enunciação, facilmente entendemos o porquê de sua dificuldade de compreensão. Para melhor entendermos, exemplos mostram-se mais elucidativos que simples palavras. Pensemos em um romance tradicional, com uma estrutura fixa e linear. Esse tipo de narrativa é facilmente encontrada nos romances do século XIX. Tomemos um “clássico” da literatura romântica, vastamente conhecido como A moreninha de Joaquim Manuel de Macedo. Sem entrarmos no mérito de classificação em “bom” ou “ruim”, vemos que esta obra se estrutura linearmente, com fatos bem encadeados, em que um acontecimento é causa do outro. A história, bem simplificadamente, é de uma menina de quinze anos que desperta a cobiça de um jovem rapaz. Este, aposta com seus amigos que irá conquistar a jovem. A partir daí muitos personagens e acontecimentos desencadeiam indo culminar em um “belo e lindo final”. Bom, vemos fatos e mais fatos e mais fatos, que prendem nossa atenção e nos faz querer saber o que vai acontecer. É uma relação de causa e efeito. Algo acontece e acarreta em outro acontecimento. O enunciado é o mais importante. Agora peguemos um romance que não valoriza o enunciado e sim a enunciação. Para tal, nada melhor que Clarice Lispector. A paixão segundo GH., um de seus livros mais famosos e polêmicos. A pergunta é: qual a história do livro? Simples. Uma mulher que na ausência da empregada vai arrumar um cômodo da casa e encontra uma barata e a come. Ué? Só isso? Sim, só isso. Então como explicar um livro inteiro com essa história? É a partir daí que vemos como uma valorização da enunciação se mostra. A narrativa passa-se em um tempo cronológico pequeno e definido, porém a “viagem” psicológica do narrador é elástica. Vemos muita enunciação e pouco enunciado. A leitura torna-se difícil a partir do momento em que o leitor busca referências lógicas, pautadas em noções retilíneas de espaço e tempo e não encontra. Acontecimentos que expliquem outros acontecimentos não existem, quebrando com a lógica de causa e efeito.
Não querendo alongar-me mais, posso dizer que isto é uma constante nos romances contemporâneos, sendo reflexo da modernidade, que trouxe outras concepções de mundo, mudando o olhar do homem. Mas isto é uma outra história que aqui, neste espaço, não posso dar continuidade. Talvez no próximo ou quem sabe no outro, ou no outro...

* Marcos Fiuza - Poeta, professor e pós-graduando em Literatura portuguesa e literaturas africanas de língua portuguesa - UFRJ mvfiuza@yahoo.com.br

Fotografia




Personagem - parte 4
por Aguinaldo Ramos



Rito
Sente-se que todos os gestos
são de algum ritual.
A natureza é um ritual infinito.
(Ou infinitos rituais simultâneos?...)
Folhas caem se algum sacerdote autoriza,
mãos invisíveis regem os ventos,
tudo em todos os tempos são sons
de uma orquestra cósmica.
Não há nada que explique,
embora tantos costumem tentar.
Resta-nos aceitar a oferta
com mínima elegância...
Toda religião mantém a pose possível
se veste na última moda.
(Ou mantém-se na moda
pelo tempo possível...)
Personagem cultiva
em sua melhor forma,
da melhor forma,
as variadas formas
que dão o corpo à terra
enquanto vislumbram o céu.

Instinto
Ser espontâneo exige tanto esforço
Personagem prefere nem pensar...
Sabe que não é possível
o domínio exato
sobre o gesto.
Tenta como pode se adequar
à autonomia de que é vítima.
Nem sempre tem graça
nem todo movimento
lhe é de graça.
Quando os afetos lhe afetam
então...
Sente-se a marionete
cujos fios invisíveis
também são marionetes
de outras marionetes:
não sabe se cabe em si...
Faz o que lhe é possível,
o inesperado.
De alguma maneira acerta:
Avança.
Nem fica
passado...


Guia
Que se pretenda a certeza,
que se busque o correto,
que se queira a firmeza,
assim (se) exaltam os sóbrios de vida...
Nem tudo é tão razoável...
Quem se põe nos caminhos do mundo
um dia a dúvida lhe encontra
talvez lhe pareça ter ido até lá...
A encruzilhada aparece,
Personagem precisa parar.
Põe os aros da lúcida lente da mente
tendo já vestido o traçado alinhado
da malha exata da lógica
e fica ali, incerto.
É tal o costume...
Não nota que acima e à volta,
com curvas de fêmea e seios no olhar,
desnuda de pose,
fornida de arte,
digna e muda
à-toa
se expõe
a resposta.



Personagem é projeto de livro, com 80 fotos jornalísticas recontextualizadas e ressignificadas pelos textos, contando a trajetória de um “personagem”, que, de todos, pode ser qualquer um.

Veja algo mais de Personagem em: http://www.telemar.com.br/museu/expofoto/persona/personabox.html

* Aguinaldo Araújo Ramos foi repórter-fotográfico por quase 30 anos. Palpiteiro, sociólogo e mestrando em História Comparada, IFCS, tem feito alguns investimentos literários (finalista no Prêmio SESC de Literatura 2005) e está orgulhoso de publicar em Palavril.

Poesias





TODAY, THAT’S THE QUESTION

a forma fixa: o conteúdo não
a mente é livre, o pensamento inquieto
e exposto a mais esta contradição
cometo – extemporâneo- outro soneto.

o que me trouxe o uso da Razão
não sei dizer se é bom ou mau, exceto
que me arranharam fundo o coração
uns versos íntimos, um mal secreto.

nunca aceitei o Tempo que me coube
ou por erro escolhi – e ser barroco
parnasiano, moderno, pop, concreto

no meu to be or not eu nunca soube:
a Vida, com seu desconcerto louco,
não cabe mais na cela de um soneto.

Aldemar Norek



Oculto.

O culto do não-dizer,

Silêncio:

segredos?

Inconfessáveis.

Oculto.
O poder de lançar
No ar
Só dúvidas.

“E se eu pudesse entrar na sua vida....”

E se eu pudesse desvendar?

Bruna Maria




COMPASSO BRASILEIRO

No compasso brasileiro
estão presentes
a sanfona e o pandeiro
a modinha, o chorinho,
a música de barbeiro.
Pro compasso brasileiro
o índio trouxe o flautim e o caxixi
o português o cavaquinho
o negro trouxe o agogô
tudo música que cura
feito boticário ou doutor.
Tem na flauta de bambu
no tambor de caxambu.
até na caixa-de-fósforos
tem compasso brasileiro.
Tocada com muita manha
tem o corte de bumbo
tirado na lata de banha.
Falando de tambor
temos tudo quanto é tamanho
o candongueiro e o batá-cotô
vindos de Angola e do Congo
com os ancestrais do meu avô.
O cavaco de cinco cordas,
e a viola de arame,
o violão de sete cordas
em andamento bem certeiro
ponteia novo compasso
alinhavado no pandeiro,
esse é o compasso brasileiro.

Euclides de Amaral



Quando Canto

Estes versos vêm e vertem
Sangue suor e sêmen

As horas passam e somem
Pra nunca mais sempre menos

As palavras se perdem
E morrem e evanescem

Você, voyeur, não vai ver
A lágrima desta página

Cairo Trindade


Há dias

Há dias
que de tanto o Sol brilhar
obscureço

Há dias
que dos brindes a saudar
eu convalesço

Há dias
que florescem
e me despetalo

Há dias que me calo.

Beatriz Tavares

Qualquer coisa bela
(um livreto de rua à ser impresso)
Há vida pulsante neste cadáver
E a sombra dança libidinosamente.
Os olhos deles são quais chamas
Ou flores tremeluzentes no breu.
Os que eu não conheço se escondem
Atrás de esquinas do futuro.
Intactos, na hora fria da noite
Ouvindo meus passos chegarem.
Tudo que não me existe ainda
Parece estar lá fora em algum lugar.
Esperando pelo sol presente
Revelando-se pouco à pouco.

Thiago Oliveira do Nascimento


ENCONTRO ( VELHAS AMIZADES)

A grata satisfação
Encontrar amigos
Amigos queridos
Amigos perdidos
Perdidos no tempo ,na memória.
Ver no encontro
A dúvida ,o olhar ,a luz
Sentir-se entre abraços e sorrisos
Deixar a emoção emancipar-se do peito
Restos de saudade
Pingos de lembranças
Com os olhos rasos d´água
O prazer de ouvir comovido
Uma voz rememorando seu nome
E perguntar : como é que vai?

Amantá-lo com olhar
Sentir em sua aparência
Se a safada da vida
Na inexorabilidade do tempo
Passou-lhe uma rasteira
Mantendo seu jugo (pesado fardo)sobre seus ombros
No arrastar da idade
Repercutindo em espaçados fios de cabelos.

Amigo...
Não tenho palavras,
Ponha o braço sobre meu ombro
E vamos ali...
No bar da esquina
Tomarmos uma cerveja
E vivemos as reminiscências de nossas sinas.

Dalberto Gomes

Contaria


Meditação
por Felipe Esteves


Gira, gira. Tudo gira ao redor e eu, no parado. É preciso muita concentração: o movimento é insistente, busca-me o tempo todo; eu o rejeito, observo-o como alguém que vê de longe o amigo que não é mais, e com um simples aceno liberta-se de todo um ritual doloroso e falso de como vai e vamos nos encontrar algum dia.
Então, mantenho meu corpo como rocha e minha mente como águia. Do alto da montanha, observo. Mas sou ave de rapina, e vez em quando não me basta observar, então dou um rasante buscando algo e descubro que são muitas as camadas e vou cada vez mais fundo e me perco e quero voltar. Mas o caminho de volta é árduo e doloroso; venta muito na base da montanha.
Sinto então enjôo porque giro, giro com o vento mas não deve ser assim, percebe? Voar não é o bater de asas, ou a turbina de um avião; Voar é algo mágico, algo divino.
Estou sereno agora, por dentro. Lá fora, já disse, tudo gira. Mas sinto uma paz, interior, percebe? E meu coração está repleto de amor e coragem, porque sei que faço o que devo fazer, e de repente tudo faz sentido, e uma luz forte, que não cega, mas ilumina, define todas as sombras e me projeta na realidade.

Crônica





PROBLEMAS NO RELACIONAMENTO
por Adenor Nunes

Tijuca, 10:30, 8 meses de namoro.

- Amor ...
- Lá vem problema.
- Vamos?
- Já te falei que não tenho dinheiro pra ir à Nova York.
- Não é isso, bobinho. Eu quero ir à praia.
- Onde estão mesmo nossos passaportes?
- Para de ser chato! Você parece um velho. Por que você nunca vai à praia?
- Porque eu sempre tenho coisas mais importantes pra fazer. Hoje eu não posso perder o documentário sobre a vida das bactérias autotróficas do Ceilão.
- Não entendo porque você não gosta de praia.
- Eu adoro praia. O que eu não gosto é do sol, do mar e da areia.
- Mas, amorzinho, você precisa pegar um bronzeado.
- Você está louca? Vou perder meu status de doente. As pessoas podem nem mais me reconhecer na rua.
- Bobinho. Você não tem medo que eu fique sozinha?
- Não. Vai ter pelo menos cinqüenta mil pessoas te acompanhando.
- Você é muito engraçadinho. Qual o problema em ir à praia?
- Nenhum. O problema está em ficar lá.
- Então ótimo, irei sozinha. Deixa eu me aprontar.
- Tá bem, eu acho que vou. Mas essa praia de nudismo é muito longe?
- Nudismo? quem te disse que é uma praia de nudismo?
- Quem te disse que isso que você vestiu é um biquíni?

Ensaio



O contista Dias da Costa

por Gilfrancisco



Oswaldo Dias da Costa nasceu a 29 de agosto de 1907, no Largo da Piedade, em Salvador. Filho de José Dias da Costa, falecido antes de 1914 e Arminda de Queiroz Costa, portuguesa e prima do romancista Eça de Queiroz, Dias da Costa teve três irmãos, Jayme Dias da Costa, Walkylria Dias da Costa e Anayde Dias da Costa. Morta aos 25 anos de idade, D. Arminda, teve pouco tempo de convivência com os quatro filhos, desta forma, sendo todos criados por Dindinha Margarida, dama de companhia de sua avó, continuando a acompanhar os descendentes de Dias da Costa até o término da sua vida.
Passou os primeiros anos de sua vida em pequenas cidades do interior baiano, acompanhando o pai, que vivia em busca de climas favoráveis à saúde combalida. De regresso à capital, aos 12 anos de idade, começou seus estudos no Ginásio Ipiranga, onde se destacou como aluno, um dos primeiros da turma. Mais tarde, ao transferir-se para o Ginásio da Bahia para fazer o curso de Humanidades, encontrou muitas dificuldades na disciplina de matemática, principalmente nos cálculos de álgebra.
Dias da Costa, abandonou os estudos após quatro anos e passou a viver na boêmia baiana. Trabalhou como revisor no jornal O Democrata, órgão do Partido Democrático da Bahia, ligando-se em seguida ao grupo literário, liderado por Pinheiro Viegas, da Academia dos Rebeldes. Data daí sua amizade com os “rebeldes” (1929), Jorge Amado, Édison Carneiro, João Cordeiro, Sosígenes Costa, Alves Ribeiro, Clovis Amorim. Desde então, declarou guerra a burrice, a literatice, ao arrivismo e outros males. O grupo revolucionou e destruiu na velha província de Thomé de Sousa, muita glória fácil, muita burrice fátua. Eram os jovens diabólicos comandados por um velho satânico Viegas, que a ninguém perdoava.
Casou-se em 1930 com Beatriz Costa e juntos tiveram três filhos: Lolita, Arminda e Isadora, sendo uma das moças afilhada de Édison Carneiro. Para sustentar a família, trabalha no comércio, mas sem prejuízo das tertúlias literárias. Em 1936 transfere-se para o Rio de Janeiro, onde substitui Jorge Amado na função de encarregado de publicidade da livraria José Olympio, enquanto amplia suas atividades de colaborador de jornais de todo o país: redator-chefe da revista Pan, dirigida por Sebastião Hersen de Oliveira, redator da revista Esfera, dirigida por Maria Jacinta, redator do Observatório Econômico e Financeiro, dirigida por Valentin Rebouças, secretário e depois redator-chefe da revista literária Leitura, dirigida por J. Barboza Melo em sua primeira fase, cargo que ocupou por três anos, com dedicação, inteligência e lealdade. Quando seu amigo Jorge Amado esteve como redator-chefe do jornal carioca Dom Casmurro, dirigido por Brício de Abreu, Dias da Costa era um dos seus colaboradores.
Devido às qualidades de ficcionista de Dias da Costa, do contista de “Canção do Beco”, que se compõe de 22 narrativas curtas e uma novela, 243 páginas, capa de Santa Rosa, editado pela Rumo (editora do PCB), em 1939, e esgotada logo após à sua publicação, livro que foi recebido pela crítica e pelo público como o maior entusiasmo, marcando o aparecimento de um escritor de grandes qualidades. De certo, Dias da Costa não cultivava a glória literária, demonstrando mesmo, em contrário, um acentuado desencanto com a literatura. Essa deliberação a uma modéstia inata e indisfarçável humildade. Arredio, não freqüentava as rodas literárias e desprezava o tão comum elogio mútuo.
Tendo estreado aos 32 anos de idade, Dias da Costa não se deixou levar nas asas da fama e daí sua escassa publicação em livro. Canção do Beco, contos que o afirmaram um dos nossos melhores ficcionistas da história curta, ficou na 1ª edição, vedando o conhecimento de sua obra às novas gerações de ficcionistas, conquanto na história do conto brasileiro contemporâneo. Canção do Beco, encerra uma série de mensagens verdadeiramente vida, integralmente angústia, profundamente tragédia. Os seres que lá estão reunidos inspiram uma solidariedade emocionalmente da realidade. Aparece muitas vezes rapidamente para dizer o essencial, o fundamental.
Sua obra, de um modo geral, parece ter sido fecundada pelo sentimento de solidariedade do homem como partícula social, sem que esse sentimento, entretanto, se apouque em reduzir-se a manifesto político. O tom humano de sua criação, a torna atemporal, ainda que tendo como cenário a Bahia, o que não o impede que sejam realizações duradouras, marca inconfundível de um grande escritor.
Portanto, o contista baiano, não obstante o significativo sucesso que obteve com esta publicação, somente voltaria a publicar livro em 1960, “Mirante dos Aflitos”, ou seja, 21 anos depois da sua estréia. Esta edição, organizada e prefaciada por Jorge Amado, foi publicada pela Difusão Européia do Livro, fazendo parte da coleção Novela Brasileira, dirigida por Bráulio Pedroso, com capa e ilustrações de Glauco Rodrigues, 132 páginas, o livro teve repetido sucesso de público.
Em 1957, houve um certo movimento na imprensa brasileira, em torno das comemorações dos seus 50 anos de nascimento, data registrada por muitos jornais e revistas, com matérias variadas: entrevistas, depoimentos de amigos e correligionários, enfim um registro digno e bem merecido da efemeridade. Meses depois, levado pela estada, devido às múltiplas atividades demasiadamente jornalísticas, para sobreviver fez de tudo: revisor, escrivão interino da Coletoria, funcionário de companhia de seguros, secretário e redator-chefe de diversas revistas, tradutor de agência telegráfica, funcionário público. Este acúmulo de serviços, fez com que Dias da Costa retornasse à Bahia, para descanso, conforme recomendações médicas e passa alguns dias em Mar Grande, na Ilha de Itaparica.
Modesto, simples, cordial e até afetivo, sem vaidades, e com tal despreocupação com a glória; teve um leve desencanto literário, em razão do que não hesitou em postar-se a margem das ocorrências, arredando-se para dar passagem ao cortejo de néscios, o que se acentuou com a dura necessidade de ganhar a vida no batente diário, árduo, sem contemplações. Segundo declaração de vários amigos, era um companheiro capaz de fazer todos os sacrifícios, desde que estes contribuíam para a felicidade dos entes queridos. Dias da Costa, aposentou-se pela Federação Nacional do Comércio, quando agravou a progressiva perda de sua visão, restringindo seu hobby favorito, que era o de ler sem limitações. A parcial cegueira, o deixava amargo e desencantado na sua solidão. Pouco tempo depois veio a falecer.
Sufocado pelas pressões sociais tal como os seus personagens, massacrados pelas estruturas obsoletas da sociedade competitiva, este intelectual de esquerda, integrante nas fileiras do Partido Comunista desde 1935, anti-religioso, completamente agnóstico, só tinha fé no povo e na Revolução, que o elevaria a patamares mais altos de vida e dignidade, nos ideais sagrados do Socialismo. Em 1960, Dias da Costa desliga-se do Partido, e se retrai cada vez mais do convívio dos amigos e colegas, restringindo-se a casa, tornando-se ainda mais tímido e silencioso, parecendo desiludido de tudo. Publicou seu último livro “Bumba-meu-boi”. Caderno de Folclore-Companhia Nacional de Folclore/MEC, Rio de Janeiro, 1973.
Oswaldo Dias da Costa, morreu anonimamente (como vivia há já alguns anos) no Rio de Janeiro onde se havia radicado há mais de 40 anos, a 6 de fevereiro de 1979. Um fato curioso é que seu desaparecimento, comoveu apenas o pequeno circulo familiar e alguns tantos amigos que lhe viviam próximo. Tendo essa mesma imprensa a que ele como profissional serviu, por cerca de cinqüenta anos, a omissão em seu noticiário. Após sua morte, a companheiro Beatriz, que já havia sofrido um derrame que a inutilizara, seguida de escleroso, fora recolhida a uma instituição para idosos dependentes de ajuda. Dias da Costa deixou um legado literário pouco volumoso em livros, mas expressivo. Sua obra há muito merece estudo de avaliação crítica.

* Jornalista, pesquisador e professor universitário

Prosa




ONTEM

por Bruno Fonseca


A menina com cara de boneca queria ser boneca. Mas apenas estendia a mão...E veio uma rapaz-moço que queria ser homem e a tomou para si. Atravessaram aquela rua. Cheia de carros, Carros correndo, Carros voando. Carros batendo, Carros rolando.verde, O sinal estava fechado. Do outro lado a menina com cara de boneca queria ser boneca se descuidou...Olhou pro lado.E foi o rapaz-moço que queria ser homem pro outro lado da rua procurar outra mão estendida.vermelho, O sinal tinha aberto. Eram carros, Carros correndo, Carros voando. Carros batendo, Carros rolando. A menina tinha medo. Tinha que atravessar sozinha. Não atravessou. Gritava do outro lado para o rapaz. barulhos de carros, Carros freando, Carros buzinando. Carros na frente, Carros acelerando. Não se ouviam direito. Só intuiam. E o rapaz-moço que queria ser homem foi embora. Entendeu o que a menina com cara de boneca queria ser boneca dizia. Ela pedia: "minta pra mim".

Plasticular




Imperfeccionismo Contemporâneo
por Roberto Armorizzi

Vivo intensamente as cores, “harmonizando-as” num curioso estilo de modo desconfigurado por um profundo mergulho em “perfeitas texturas”, ao sabor de imperfeições formais. Essa libertação pictórica, solta de padrões pré-estabelecidos, que prima por não “aprisionar” a verdadeira e incondicional criação, mobiliza e eterniza o meu ser.
Cores descompassadas e muitas vezes sem a devida combinação, trazem à consciência, com surpreendente inteireza, fascinantes revelações vindas das profundezas do inconsciente
Acredito, pois, numa espontânea autenticidade que me faz ficar próximo cada vez mais das formas imperfeitas, como que objetivando um contato extremamente fiel com a natureza, com o que existe de concreto e também abstrato, sem querer tornar perfeito o imperfeito ou vice-versa. Pelo contrário, desejo experimentar através da obra de arte a autêntica imperfeição das formas reveladas no que se vê e também no que não se vê, procurando encontrar a beleza também dentro da fealdade.
Portanto, apoiado nesses e em outros argumentos, creio ser esse o ideal de meu propósito artístico. Assim pensando, chamo minha obra como um todo de Imperfeccionismo Contemporâneo.








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