Ensaio



O contista Dias da Costa

por Gilfrancisco



Oswaldo Dias da Costa nasceu a 29 de agosto de 1907, no Largo da Piedade, em Salvador. Filho de José Dias da Costa, falecido antes de 1914 e Arminda de Queiroz Costa, portuguesa e prima do romancista Eça de Queiroz, Dias da Costa teve três irmãos, Jayme Dias da Costa, Walkylria Dias da Costa e Anayde Dias da Costa. Morta aos 25 anos de idade, D. Arminda, teve pouco tempo de convivência com os quatro filhos, desta forma, sendo todos criados por Dindinha Margarida, dama de companhia de sua avó, continuando a acompanhar os descendentes de Dias da Costa até o término da sua vida.
Passou os primeiros anos de sua vida em pequenas cidades do interior baiano, acompanhando o pai, que vivia em busca de climas favoráveis à saúde combalida. De regresso à capital, aos 12 anos de idade, começou seus estudos no Ginásio Ipiranga, onde se destacou como aluno, um dos primeiros da turma. Mais tarde, ao transferir-se para o Ginásio da Bahia para fazer o curso de Humanidades, encontrou muitas dificuldades na disciplina de matemática, principalmente nos cálculos de álgebra.
Dias da Costa, abandonou os estudos após quatro anos e passou a viver na boêmia baiana. Trabalhou como revisor no jornal O Democrata, órgão do Partido Democrático da Bahia, ligando-se em seguida ao grupo literário, liderado por Pinheiro Viegas, da Academia dos Rebeldes. Data daí sua amizade com os “rebeldes” (1929), Jorge Amado, Édison Carneiro, João Cordeiro, Sosígenes Costa, Alves Ribeiro, Clovis Amorim. Desde então, declarou guerra a burrice, a literatice, ao arrivismo e outros males. O grupo revolucionou e destruiu na velha província de Thomé de Sousa, muita glória fácil, muita burrice fátua. Eram os jovens diabólicos comandados por um velho satânico Viegas, que a ninguém perdoava.
Casou-se em 1930 com Beatriz Costa e juntos tiveram três filhos: Lolita, Arminda e Isadora, sendo uma das moças afilhada de Édison Carneiro. Para sustentar a família, trabalha no comércio, mas sem prejuízo das tertúlias literárias. Em 1936 transfere-se para o Rio de Janeiro, onde substitui Jorge Amado na função de encarregado de publicidade da livraria José Olympio, enquanto amplia suas atividades de colaborador de jornais de todo o país: redator-chefe da revista Pan, dirigida por Sebastião Hersen de Oliveira, redator da revista Esfera, dirigida por Maria Jacinta, redator do Observatório Econômico e Financeiro, dirigida por Valentin Rebouças, secretário e depois redator-chefe da revista literária Leitura, dirigida por J. Barboza Melo em sua primeira fase, cargo que ocupou por três anos, com dedicação, inteligência e lealdade. Quando seu amigo Jorge Amado esteve como redator-chefe do jornal carioca Dom Casmurro, dirigido por Brício de Abreu, Dias da Costa era um dos seus colaboradores.
Devido às qualidades de ficcionista de Dias da Costa, do contista de “Canção do Beco”, que se compõe de 22 narrativas curtas e uma novela, 243 páginas, capa de Santa Rosa, editado pela Rumo (editora do PCB), em 1939, e esgotada logo após à sua publicação, livro que foi recebido pela crítica e pelo público como o maior entusiasmo, marcando o aparecimento de um escritor de grandes qualidades. De certo, Dias da Costa não cultivava a glória literária, demonstrando mesmo, em contrário, um acentuado desencanto com a literatura. Essa deliberação a uma modéstia inata e indisfarçável humildade. Arredio, não freqüentava as rodas literárias e desprezava o tão comum elogio mútuo.
Tendo estreado aos 32 anos de idade, Dias da Costa não se deixou levar nas asas da fama e daí sua escassa publicação em livro. Canção do Beco, contos que o afirmaram um dos nossos melhores ficcionistas da história curta, ficou na 1ª edição, vedando o conhecimento de sua obra às novas gerações de ficcionistas, conquanto na história do conto brasileiro contemporâneo. Canção do Beco, encerra uma série de mensagens verdadeiramente vida, integralmente angústia, profundamente tragédia. Os seres que lá estão reunidos inspiram uma solidariedade emocionalmente da realidade. Aparece muitas vezes rapidamente para dizer o essencial, o fundamental.
Sua obra, de um modo geral, parece ter sido fecundada pelo sentimento de solidariedade do homem como partícula social, sem que esse sentimento, entretanto, se apouque em reduzir-se a manifesto político. O tom humano de sua criação, a torna atemporal, ainda que tendo como cenário a Bahia, o que não o impede que sejam realizações duradouras, marca inconfundível de um grande escritor.
Portanto, o contista baiano, não obstante o significativo sucesso que obteve com esta publicação, somente voltaria a publicar livro em 1960, “Mirante dos Aflitos”, ou seja, 21 anos depois da sua estréia. Esta edição, organizada e prefaciada por Jorge Amado, foi publicada pela Difusão Européia do Livro, fazendo parte da coleção Novela Brasileira, dirigida por Bráulio Pedroso, com capa e ilustrações de Glauco Rodrigues, 132 páginas, o livro teve repetido sucesso de público.
Em 1957, houve um certo movimento na imprensa brasileira, em torno das comemorações dos seus 50 anos de nascimento, data registrada por muitos jornais e revistas, com matérias variadas: entrevistas, depoimentos de amigos e correligionários, enfim um registro digno e bem merecido da efemeridade. Meses depois, levado pela estada, devido às múltiplas atividades demasiadamente jornalísticas, para sobreviver fez de tudo: revisor, escrivão interino da Coletoria, funcionário de companhia de seguros, secretário e redator-chefe de diversas revistas, tradutor de agência telegráfica, funcionário público. Este acúmulo de serviços, fez com que Dias da Costa retornasse à Bahia, para descanso, conforme recomendações médicas e passa alguns dias em Mar Grande, na Ilha de Itaparica.
Modesto, simples, cordial e até afetivo, sem vaidades, e com tal despreocupação com a glória; teve um leve desencanto literário, em razão do que não hesitou em postar-se a margem das ocorrências, arredando-se para dar passagem ao cortejo de néscios, o que se acentuou com a dura necessidade de ganhar a vida no batente diário, árduo, sem contemplações. Segundo declaração de vários amigos, era um companheiro capaz de fazer todos os sacrifícios, desde que estes contribuíam para a felicidade dos entes queridos. Dias da Costa, aposentou-se pela Federação Nacional do Comércio, quando agravou a progressiva perda de sua visão, restringindo seu hobby favorito, que era o de ler sem limitações. A parcial cegueira, o deixava amargo e desencantado na sua solidão. Pouco tempo depois veio a falecer.
Sufocado pelas pressões sociais tal como os seus personagens, massacrados pelas estruturas obsoletas da sociedade competitiva, este intelectual de esquerda, integrante nas fileiras do Partido Comunista desde 1935, anti-religioso, completamente agnóstico, só tinha fé no povo e na Revolução, que o elevaria a patamares mais altos de vida e dignidade, nos ideais sagrados do Socialismo. Em 1960, Dias da Costa desliga-se do Partido, e se retrai cada vez mais do convívio dos amigos e colegas, restringindo-se a casa, tornando-se ainda mais tímido e silencioso, parecendo desiludido de tudo. Publicou seu último livro “Bumba-meu-boi”. Caderno de Folclore-Companhia Nacional de Folclore/MEC, Rio de Janeiro, 1973.
Oswaldo Dias da Costa, morreu anonimamente (como vivia há já alguns anos) no Rio de Janeiro onde se havia radicado há mais de 40 anos, a 6 de fevereiro de 1979. Um fato curioso é que seu desaparecimento, comoveu apenas o pequeno circulo familiar e alguns tantos amigos que lhe viviam próximo. Tendo essa mesma imprensa a que ele como profissional serviu, por cerca de cinqüenta anos, a omissão em seu noticiário. Após sua morte, a companheiro Beatriz, que já havia sofrido um derrame que a inutilizara, seguida de escleroso, fora recolhida a uma instituição para idosos dependentes de ajuda. Dias da Costa deixou um legado literário pouco volumoso em livros, mas expressivo. Sua obra há muito merece estudo de avaliação crítica.

* Jornalista, pesquisador e professor universitário