Bituca e Espeto
por Bruno Borja

Coé Bituca, se liga aí parceiro! olha o peixe ali!, bati pra ele apontando a coroa.
Bituca, se chamava Bituca porque desde que ele se viciou, vivia pedindo a bituca do cigarro dos outros. Ou então, catando do chão.
Eu, eu me chamo Espeto. Sempre fui magrelo e pequeno. A rapaziada do morro é foda, não perde tempo pra zuar os outros. Quando botei o pé na rua pela primeira vez lá na Formiga, nego começou, ih a lá, o cara parece um espeto! fala aí, Espeto! coé, Espeto! e num sei quê, Espeto. Aí já viu, né, virei Espeto.
A gente tava dentro do banco, e eu falei pra ele, apontando a coroa que tinha enchido o bolso de dinheiro.
Os velhotes adoram sacar uma bolada, um porradão de uma vez só. Aí, entope o bolso de dinheiro e sai por aí, achando que tá tranqüilo. Porra, parece até desaforo com a bandidagem.
Era só dar um rolé pela praça no início do mês, ver qual banco tava mais cheio e entrar procurando os velhos. Eu sempre dizia que a gente ia pescar, pescar os velhotes, ha, ha...
A coroa tinha um monte de dinheiro e a gente foi atrás.
O Bituca, que era grande, seguia os peixes e eu, ia pegar a moto pra encontrar com ele. A gente era uma boa dupla, tavamos metendo ali na Praça Sans Peña há uns sete meses. Sem caô nenhum. Eu sô piloto na motoca, né meu irmão. E ele, era um negão gigante. Aí, tu já viu.
Ele tomou a bolsa da coroa, quando eles passavam pela banca de jornal, pra dechavar. Depois foi pro meio-fio pra encontrar comigo, que eu já tava escoltando de longe com a moto e acompanhava todo o movimento.
Era sempre assim. Ele subia na garupa e eu arrancava. Eu já tava quase partindo, tranqüilão, quando a coroa resolveu pagar de maluca. Começou a gritar, que é ladrão!, que é num sei quê!, que é o caralho! Geral da rua ficou boladão olhando.
Cumpade, o nosso azar é que veio, na mesma hora, uns merdas de uns vermes num golzinho. Viram a coroa, ligaram a sirene e partiram pra cima da gente, já nervosos, né. Eles vinham pela General Roca e eu, ali na Desembargador Izidro, saí saindo, batido.
Porra, eu sô piloto, trabalhava de moto-táxi há mais de um ano. Só que o Bituca era grande pra caralho! Eu acelerei tudo, meti o pé. Ueum, ueum, ueum, os homem vieram ali, na cola, cuspindo fogo, um pipoco atrás do outro, tá, tá, tá. Subi a rua voado, virei na direita, tá, tá, tá... tá, tá, e a 45 mandando só caroçada.
Senti uma porrada nas costas, coé Bituca, tá tranqüilo aí, parceiro? qual foi?
Ele falou qualquer coisa que eu não entendi.
E eu respondi, se segura aí, que eu vou tirar a gente dessa!
Joguei na contramão, ali na Andrade Neves, e abri uma distância deles. Mas eles não peidaram, não, vieram também, tá, tá, tá, mais outro nas costas. O Bituca gemeu.
Despontei na Conde de Bonfim voadão, o Bituca quase caiu na curva. Acelerei tudo até chegar na ladeira do morro e subi com aquela sagacidade de quem sobe todo dia. Me meti pelas vielas até chegar perto do mato.
Vambora, cumpade, sai daí.
O Bituca nem se mexia. Olhei pra trás e ele tava de olho fechado, como se tivesse dormindo. Saí da moto e sacudi ele.
Acorda, parceiro, acorda.
Quando botei a mão nas costas dele, que eu senti o melado escorrendo. Deitei ele no chão, dei uns tapinhas na cara dele e ele acordou.
Porra, Espeto, eu tô fudido, irmão. Já era. Me deixa, que eu vô ficar por aqui mesmo. Agora não tem volta.
Ô Bituca! acorda Bituca!
Já tinha apagado de novo.
O cara era foda, sangue bom pra caralho. Sempre comprava meu barulho quando eu arrumava treta com alguém. Sempre me defendeu quando nego queria me pegar. É, morreu me salvando da bala dos canas e ainda conseguiu vir até o morro com uma mão em mim, a outra na bolsa da coroa.
Fechei os olhos dele e falei, ô meu irmão, vai com Deus e olha por mim lá de cima.
Peguei a grana e me entoquei no mato.

1 Comments:

At maio 04, 2006 12:30 PM, Anonymous Anônimo said...

Muito boa a história, ainda mais nessa linha "Guimarães Rosa urbano".

 

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