O OLHAR
Por Julio César Correa

A noite já amadurecia. E em volta do morto, um pequeno grupo. Nenhuma rosa, nenhuma vela, nenhuma lágrima. Total desprezo por aquele corpo, virado de bruços no meio da rua. Olhavam para ele como se quisessem apenas a confirmação de estarem livres de algo indesejável.
Um policial chegou, fazendo perguntas. Como? Quando? Quem havia matado o aquele pobre diabo?
Mulher grávida com moleque no colo, falou que não gostava dele não e vai ser ruim de o senhor achar alguém aqui que gostasse desse desgraçado. Por quê? Ah, ele tinha um olhar!
Um velho sem perna, apoiado em muletas, disse que dava medo, moço! Cruz credo! Parecia até coisa ruim!
Rapazinho efeminado contou que era um horrorrrr! Dava arrepio. Todo mundo evitava aquele olhar.
Mulata abraçada com moreno parrudo, com cicatriz no rosto, comentou que ele era caladão! Um silêncio que incomodava mais do que gritaria. O quê? Não, nunca me fez mal não senhor. Mas era horrível o que a gente via naquele olhar!
Moreno parrudo com cicatriz no rosto: - Olha aqui ô doutor, vou lhe dizer, até gostei que alguém tenha mandado esse muquirana pro saco. Virou-se para o morto, escarrou e prosseguiu com ódio – E ainda morreu sorrindo, como se risse da gente!
Crioulo pintoso e bem arrumado achou um exagero, gente! Gostava dele e do que via nos seus olhos.
O rapazinho efeminado, então, observou sarcástico: - Mas você é narcisista, meu bem. E os olhos dele eram como espelhos.
E todos concordaram em coro: - Sim, espelhos. Os olhos dele eram como espelhos!
Curioso, o policial se abaixou e virou o corpo. Ainda era jovem. Nos lábios, um sorriso tranqüilo de quem parecia estar mesmo descansando em paz.
Seria até um morto bonito, não fossem os seus olhos arrancados.