Uma questão curiosa
por Guilherme Tolomei

Se eu te contar você vai rir.
A mulher começa a rir.
Não disse.
Não valeu. Eu ri antes que você me contasse. Prometo agora não rir mais.
Promete?
Sim.
Eu escrevo contos.
A mulher ri.
Desculpe, mas foi muito engraçado. Pensei que você fosse técnico judiciário.
Também sou.Você não acredita em mim?
Não. Há muitos anos ninguém escreve contos.
Eu escrevo desde pequeno.
Tudo bem. Pode pegar um copo d’ água, por favor.
Só que existe uma peculiaridade.
Compreendo.
Os dois estão deitados sobre a cama, sem roupa.
Estou com sono. Vou dormir.
O meu primeiro conto foi sobre um casal.
Hum, hum.
Um rapaz que se apaixona por uma moça de uma família inimiga. Embora quisessem ficar juntos, no final, a moça se apunhala e o rapaz ingere um veneno. Enfim, matam-se.
Mas isso já existe. É uma peça de teatro do grande dramaturgo James Edward.
Só que no momento que tive essa idéia eu não conhecia James Edward, jamais havia lido qualquer peça dele, nem sabia que ele ganharia o Nobel.
Então?
Talvez, tivesse sido uma coincidência. Mas depois de alguns meses, escrevi a história de um estudante que mata uma velhinha com um machado. Inesperadamente, surge uma outra mulher, e ele a mata também. O enredo se embasaria no drama vivido por esse jovem, a partir dos assassinatos.
Não é possível. Isso é exatamente o livro do escritor russo Ivan Alexandrovich.
Sim. Descobri que tenho a capacidade de imaginar somente histórias que já foram criadas, apesar de nunca tê-las lido.
O que isso importa?
Você não percebe meu drama. Não ter a possibilidade de me tornar original.
Creio que é normal viver desse modo.
A mulher não contém a risada .
Aos pouco, conheci muitos autores. Tinha sempre a impressão de que já havia escrito alguma coisa parecida, ou que já havia concebido àquela idéia. Cheguei até mesmo a plagiar os “olhos de cigana oblíqua e dissimulada” do grande Antônio Rodrigues.
Já procurou um médico?
Provavelmente, a medicina não poderá me ajudar.
O homem coloca as mãos no rosto.
Fique calmo. Você pode fazer outras coisas. Quem sabe um concurso para Tesoureiro Nacional?
Isso não me consola.
Veja o lado bom: ninguém mais tem esse problema.
A mulher novamente ri.
Você me deu uma grande idéia.
Grande idéia?
Sim.
O homem se levanta, pega alguns papéis na gaveta e senta-se à mesa.
Vou escrever sobre mim. A história de um homem condenado a reproduzir histórias alheias. Tenho certeza que ninguém mais escreveu sobre isso.
O homem vira-se para mulher e diz convicto:
Não há nada mais original do que eu próprio.

1 Comments:

At maio 09, 2006 11:50 PM, Anonymous Anônimo said...

Gostei do texto, querido!
Beijinhos

 

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