TAPA NA CARA

por Bruno N. F. Borja

Era meio arriscado, mas vez ou outra a gente fumava um fininho lá trás do ônibus. Não era muito comum. E normalmente fumávamos de madrugada, voltando de alguma noite na barra, passando pelo Alto da Boa Vista.
E foi nisto que pensei, enquanto esperava o ônibus com Manu, às cinco da manhã no Leblon.
A noite tinha sido perfeita e estava me sentindo apaixonado, o dono do mundo. Avistei o 415 (Leblon-Usina) vazio, vazio e comecei a tramar, porra eu deixo ela em casa, aperto um no caminho e vou fumando no ônibus pelo Aterro.
Assim eu fiz. Deixei-a em casa, em Botafogo, e fui apertando um enquanto andava para o ponto no Aterro.
Estava tudo uma maravilha, até o momento em que entrei no ônibus e constatei o seguinte:
Primeiro que, depois de deixá-la em casa, já não eram cinco, mas seis horas da manhã. Dia claro.
Segundo que o ônibus não estava mais vazio. Ao contrário, não tinha um lugar sobrando.
Terceiro que eu não tinha apertado um fininho, mas sim um baseadão.
Pronto. Agora estava eu, e só eu, em pé ao lado da trocadora, pensando o que fazer com um baseadão na mão dentro daquele ônibus repleto de trabalhadores. Todos calados e ainda meio sonados.
Passei o Aterro todo pensando. Quando paramos em frente à Candelária, eu, o dono do mundo, pensei, foda-se! e acendi.
A trocadora ainda me alertou, ih meu filho, acho que você não pode fumar isso aqui não!
Tá tranqüilo tia, respondi cheio de moral.
Logo, logo todo mundo começou a olhar para trás. E eu nem aí. Mas foi quando vi um negão enorme, com uma careca lustrosa e um bigode imponente, que eu senti o drama. Ele me olhou com a cara fechada e diante do perigo, joguei o beque pela janela.
Não adiantou.
Do meio do ônibus ele levantou, com um trinta-e-oito cromado, e veio em minha direção. (Fiquei paralisado). E sem dizer uma palavra, me deu um tapa de mão cheia no pé da orelha e me botou pra fora a pontapés.
Desci perto da Central, ainda meio atordoado e sem entender nada. Logo me recompus e voltei a me sentir só mais um na multidão do Centro da cidade. Então compreendi que o tapa na cara é um verdadeiro choque de realidade.
E que eu mereci também.