Personagem- parte 5
por Aguinaldo Ramos

Leme


O mar
se não o procuram
desespera-se.
Não é difícil
vir buscar em terra
um desafio.
Esbraveja de espumas
espalha as areias
revira inertes os barcos...
Quando se enche de estática,
quase sem ar, condicionado,
Personagem se dispõe
às infindáveis dúvidas das ondas,
sabe bem que precisa apaziguar
uma fissura oceânica.
Ao acolhê-lo, o mar, grato, se acalma
e o envolve num cardume de brilhos.
Mas Personagem tem outros marulhos...
Embarca porque tem conquistas a fazer.
Não do mar.
Nele seu peso é só de uma gota...
Personagem vai ao encontro do mar
(qualquer mar...)
quando é necessário
reassumir seu leme.


Passante

As formas aprenderam dos homens.
Seguiram as regras,
marcaram compassos,
riscaram esquadros
e, de certa forma,
em certos ângulos,
tabela.
Cresceram
em expansão uniforme
dos lotes aos prédios
dos pisos às casas
das estradas às ruas
do campo às cidades.
Tudo muito concreto,
aparentemente sólido.
As formas espalharam
pesado volume de poder
sobre tudo que se mova
e, entre tanto, Personagem
tenta passar intato:
segue sua forma de ser.
Na reflexão da reta estica o caminho,
na flexão da curva abre via.

Ilha

Há um momento
que é também um ponto:
o que se encontra vivo é o sentimento
do nada.
Há um momento em que Personagem se sente
o ponto de encontro
do nada com o nada.
Neste ponto lhe falta o sentimento do tempo.
Neste nada se sente um mínimo,
um átomo, um quase...
Só sua consciência
o diferencia do vácuo.
É o vértice das coisas
perdidas.
Perde a estatura da luta,
seu rumo é o abandono da rota.
Neste ponto o momento também é parado.
Sente rachar sua base...
Fora da concha um mar de ausências,
navios vazios, caminhos ao largo.
Vindo de antes, indo adiante,
o sol,
o sal que o salva.