A Poética Nordestina de Ascenso Ferreira
por Gilfrancisco


Apoiado inteiramente no manancial rico do folclore nordestino, declamando e cantando seus próprios versos, Ascenso Ferreira escolhe para temas de seus poemas assuntos populares: festejos religiosos, lendas, acontecimentos da sua região. Esse poeta pernambucano se notabilizou pelo ritmo excelente dos seus versos, que evitam o resvalar para a prosa e para o lugar comum. Portador de uma pequena bibliografia, isso não impediu, contudo, que o poeta alcançasse uma popularidade extraordinária, de norte a sul do país. Ascenso morreu quatro dias antes de completar 70 anos, em 1965, e sua obra se perdeu, a partir daí, no mais terrível silêncio. Por isso continua desconhecido do público brasileiro, apesar do compositor e cantor Alceu Valença, responsável por sua redescoberta, ter musicado e gravado vários de seus poemas: Maracatu; Oropa, França e Bahia; Vou danado pra Catende, dentre outras.

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Ascenso Ferreira deixou obra escassa porém expressiva: Catimbó (1927, 2ª ed. 1929), Cana Caiana (1939); em 1951, publicou uma edição de luxo de Catimbó, Cana Caiana e Xenhenhém, acompanhada de um LP com melodias para os poemas reunidos (primeiro poeta brasileiro a gravar seus poemas em disco) e com prefácio de Manuel Bandeira. Em 1963, no Rio de Janeiro, teve editado Catimbó e Outros Poemas, com prefácio autobiográfico. No final de 1995, 32 anos depois da edição comercial mais recente, os poemas de Ascenso Ferreira foram finalmente relançados em cuidadoso trabalho da Nordestal Editora, dirigida pelo crítico e poeta pernambucano Juhareiz Correya, em co-edição com a Fundação de Arte de Pernambuco – Fundarte.
A nova edição dos poemas de Ascenso Ferreira, reproduz ilustrações de Carybé, Cícero Dias, Joaquim Cardozo e Luis Jardim, entre outros, com textos introdutórios, que já se tornaram clássicos, assinados por Manuel Bandeira e Sérgio Milliet. Catimbó, o primeiro dos três livros, é prefaciado por Ritmo Novo, um pequeno ensaio de Mário de Andrade. Cana Caiana tem um texto de apresentação assinado por Luis da Câmara Cascudo. Xenhénhém é apresentado por um artigo assinado por Roger Bastide.
Sua obra apresenta-se em duas fases: uma da época parnasiana, sob a égide do Grêmio de Palmares, sem grande marca, e a outra, a modernista, resultante dos contatos com elementos da massa rural. Ascenso Ferreira, integrou-se ao movimento modernista de 1922, através do grupo da Revista do Norte (PE), sem contudo, influenciar por nenhum dos grupos. Ou seja, do Pau-Brasil, de Oswald de Andrade, ou do Verde-amarelo de Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia, nem igualmente da chamada ala futurista.
Joaquim Inojosa, teria sido, igualmente um dos incentivadores de Ascenso Ferreira no sentido de adotar o modernismo, mas a sua resposta não se fazia em termos de uma influência futurista. Foi à conferência do poeta paulista Guilherme de Almeida, pronunciada no Teatro Santa Isabel, em 1924 e a recitativa de seu poema “Raça”, abriu os olhos de Ascenso à possibilidade de novas estéticas. Mas, foi o poeta Benedito Monteiro quem maior influência exerceu na sua transformação, sem esquecer José Maria de Albuquerque Melo e Joaquim Cardozo. Desta forma, Ascenso cria um, estilo novo de poesia, resultado não só de seu tipo vivencial, como da profunda integração com a literatura oral do povo nordestino.

...Continua na próxima edição...

* Jornalista, pesquisador e professor universitário