
A BUSCA
por Guilherme Tolomei
Atravessou a rua e ela continuava a segui-lo. Pensou em parar, mas, ao contrário, aumentou a velocidade. Talvez fosse ele que a seguisse, já não sabia. Há quanto tempo estava em seu encalço? Horas, dias, anos? Ela não lhe era estranha. Os olhos desbotados o faziam lembrar de um futuro remoto. Poderia ser uma amiga. Falariam sobre a possibilidade que jamais tiveram de se conhecer. Perguntaria seu nome e ela responderia com uma sílaba incongruente. Recordariam instantes indeléveis das caminhadas nunca realizadas. Lembrariam do momento que nunca houve. Mas apenas continuou andando. Às vezes, sentia a perna dela lancinante e, respeitosamente, diminuía o passo. Outras vezes, andava por ruas iguais para ter certeza de que estava perdido. Ambos estavam perdidos. Andariam sem destino. Viajantes solitários de um labirinto permanente. Entretanto, as casas ao redor envelheciam. As tintas das paredes adquiriram um tom mais claro. Os contornos desbotados proclamavam a independência da forma. Tudo parecia sumir. Um deserto. Uma folha em branco. Não obstante, ele entrou no café “Les Lettres”. A mulher já estava sentada na última cadeira. Olhou-o, como se olhasse a todos e, ao mesmo tempo, ninguém. “Você é o escritor?”, “Sim”, “Esse talvez seja o único propósito da perseguição. Você sabe o que tenho para lhe dizer?”, “Você veio me dizer que não existo”, respondeu rindo.Aproximou-se dela e sussurrou em seu ouvido: “E provavelmente você também não”, depois começou a rir cada vez mais alto, até que o riso e a mulher se misturassem, tornando-se uma coisa só.
11 Comments:
Guilherme, você tá escrevendo cada vez melhor!
Adoro este conto...
Talvez tenha sido ele parte da inspiração para um conto meu.
Quem existe?
Quem será de verdade o escritor?
Aliás, qual será a verdade?
;)
Um abraço.
Gosto de contos "insólitos".
Muito interessante e você mostra ter habilidade com as palavras e, sobretudo, sabe ser conciso, sem entediar o leitor.
Parabéns
*Comentário de um desconhecido,rs
o conto se revela como conto (ficção) alfinetando no leitor a idéia de que ele está diante de uma espécie de contra-narrativa. Provoca a sensação no leitor de que se está preso entre o universo da narrativa e as linhas frias e organizadas de um blog, não o deixando se envolver de todo com o que é contado ao longo do desenrolar da estória. e aí, é como se o leitor estivesse diante tb de um espelho, ao invés de só um texto.
o personagem revela-se como escritor ou este descobre-se um personagem? naum dá pra saber, naum é pra se saber. Ao testemunhar o caminhar do escritor dentro da narrativa, pode-se senti-lo escrever, caminhando com os dedos pelo teclado, juntando palavras, compondo linhas. Podendo estar tão íntimo assim do escritor, já que o escritor está tão presente no texto, mais uma vez, o leitor, se reconhece como leitor, se sente presente ao ler, e a experiencia de acompanhar a narrativa se funde com a experiencia de percepção de que se está praticando um ato de leitura, e isso ocorre naturalmente.
Quando as risadas se misturam, entende-se que a narrativa era uma simulação de narrativa, que a mistura naum necessariamente soma, mas desfaz - uma "soma" é o que menos importaria -, e é como se voltassemos para o ponto zero, antes de saber que o texto existia. No entanto, fica um resíduo, a recordação possível que ficará do texto. E o texto, assim, declara-se querer existir, mas, ao mesmo tempo, aceitando sua inevitável breviedade.
paulo
Acima de tudo no comecinho, em especial, me identifiquei.
Eles nunca se viram antes ou nao se lembrem, mas acho que pode ser ele quem vai escrever o livro da vida dela...
Nada como um café para aquecer os corações e fazer do riso a forma do encontro mais intimo!
Hummmm Que (re)encontro magnpifico!
Beijos...Passei e gostei!
O melhor texto da Revista!!!
Guilherme Tolomei é o melhor contista que conheço. Muito bom esse texto
Gostei de algumas partes, só achei o texto muito difícil.
Mas o final é espetacular. Muuuuuittttto criativo
Meio kafkiano, bem Guilherme Tolomei. Parabéns! No final de semana vou divulgar no Bala.
abração
Texto fabuloso grande amigo, lembrava-me dele vagamente.
Muito bom!! Muito bom mesmo...
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