Credo, qua absurdum

A BUSCA
por Guilherme Tolomei

Atravessou a rua e ela continuava a segui-lo. Pensou em parar, mas, ao contrário, aumentou a velocidade. Talvez fosse ele que a seguisse, já não sabia. Há quanto tempo estava em seu encalço? Horas, dias, anos? Ela não lhe era estranha. Os olhos desbotados o faziam lembrar de um futuro remoto. Poderia ser uma amiga. Falariam sobre a possibilidade que jamais tiveram de se conhecer. Perguntaria seu nome e ela responderia com uma sílaba incongruente. Recordariam instantes indeléveis das caminhadas nunca realizadas. Lembrariam do momento que nunca houve. Mas apenas continuou andando. Às vezes, sentia a perna dela lancinante e, respeitosamente, diminuía o passo. Outras vezes, andava por ruas iguais para ter certeza de que estava perdido. Ambos estavam perdidos. Andariam sem destino. Viajantes solitários de um labirinto permanente. Entretanto, as casas ao redor envelheciam. As tintas das paredes adquiriram um tom mais claro. Os contornos desbotados proclamavam a independência da forma. Tudo parecia sumir. Um deserto. Uma folha em branco. Não obstante, ele entrou no café “Les Lettres”. A mulher já estava sentada na última cadeira. Olhou-o, como se olhasse a todos e, ao mesmo tempo, ninguém. “Você é o escritor?”, “Sim”, “Esse talvez seja o único propósito da perseguição. Você sabe o que tenho para lhe dizer?”, “Você veio me dizer que não existo”, respondeu rindo.Aproximou-se dela e sussurrou em seu ouvido: “E provavelmente você também não”, depois começou a rir cada vez mais alto, até que o riso e a mulher se misturassem, tornando-se uma coisa só.

11 Comments:

At março 22, 2006 12:00 PM, Anonymous Anônimo said...

Guilherme, você tá escrevendo cada vez melhor!

 
At março 22, 2006 3:17 PM, Anonymous Anônimo said...

Adoro este conto...
Talvez tenha sido ele parte da inspiração para um conto meu.
Quem existe?
Quem será de verdade o escritor?
Aliás, qual será a verdade?

;)

Um abraço.

 
At março 22, 2006 3:26 PM, Anonymous Anônimo said...

Gosto de contos "insólitos".
Muito interessante e você mostra ter habilidade com as palavras e, sobretudo, sabe ser conciso, sem entediar o leitor.

Parabéns

*Comentário de um desconhecido,rs

 
At março 22, 2006 4:14 PM, Anonymous Anônimo said...

o conto se revela como conto (ficção) alfinetando no leitor a idéia de que ele está diante de uma espécie de contra-narrativa. Provoca a sensação no leitor de que se está preso entre o universo da narrativa e as linhas frias e organizadas de um blog, não o deixando se envolver de todo com o que é contado ao longo do desenrolar da estória. e aí, é como se o leitor estivesse diante tb de um espelho, ao invés de só um texto.

o personagem revela-se como escritor ou este descobre-se um personagem? naum dá pra saber, naum é pra se saber. Ao testemunhar o caminhar do escritor dentro da narrativa, pode-se senti-lo escrever, caminhando com os dedos pelo teclado, juntando palavras, compondo linhas. Podendo estar tão íntimo assim do escritor, já que o escritor está tão presente no texto, mais uma vez, o leitor, se reconhece como leitor, se sente presente ao ler, e a experiencia de acompanhar a narrativa se funde com a experiencia de percepção de que se está praticando um ato de leitura, e isso ocorre naturalmente.

Quando as risadas se misturam, entende-se que a narrativa era uma simulação de narrativa, que a mistura naum necessariamente soma, mas desfaz - uma "soma" é o que menos importaria -, e é como se voltassemos para o ponto zero, antes de saber que o texto existia. No entanto, fica um resíduo, a recordação possível que ficará do texto. E o texto, assim, declara-se querer existir, mas, ao mesmo tempo, aceitando sua inevitável breviedade.

paulo

 
At março 22, 2006 4:14 PM, Anonymous Anônimo said...

Acima de tudo no comecinho, em especial, me identifiquei.
Eles nunca se viram antes ou nao se lembrem, mas acho que pode ser ele quem vai escrever o livro da vida dela...
Nada como um café para aquecer os corações e fazer do riso a forma do encontro mais intimo!
Hummmm Que (re)encontro magnpifico!
Beijos...Passei e gostei!

 
At março 22, 2006 4:14 PM, Anonymous Anônimo said...

O melhor texto da Revista!!!

 
At março 23, 2006 8:09 AM, Anonymous Anônimo said...

Guilherme Tolomei é o melhor contista que conheço. Muito bom esse texto

 
At março 23, 2006 3:12 PM, Anonymous Anônimo said...

Gostei de algumas partes, só achei o texto muito difícil.
Mas o final é espetacular. Muuuuuittttto criativo

 
At março 23, 2006 5:59 PM, Blogger Julio Cesar Corrêa said...

Meio kafkiano, bem Guilherme Tolomei. Parabéns! No final de semana vou divulgar no Bala.
abração

 
At março 24, 2006 11:31 AM, Anonymous Anônimo said...

Texto fabuloso grande amigo, lembrava-me dele vagamente.

 
At março 26, 2006 5:39 PM, Anonymous Anônimo said...

Muito bom!! Muito bom mesmo...

 

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