Personagens - parte 1
por Aguinaldo Ramos


Viagem

São estreitos os espaços,
criar é que é amplo!
Abrindo caminhos aos sonhos
Personagem reboca frágeis brinquedos
exemplos de improváveis futuros.
Brinca de ser.
Brincar é fermento.
Faz do barquinho navio
da nesga suja de mar oceano
da mão no barbante
a perfeição do poder.
Enquanto não zarpa
a frustada nau do futuro
a transatlântica imaginação
assume o comando,
âncoras fora!
Fora de si
Personagem circunavega
as próprias misérias.






Reflexão

É um tempo de deuses confusos...
Grande é a mistura de forças
das trevas, do alto ou do além
espalhadas pela paisagem
enchendo a cidade de eflúvios.
Cercado de apelos
Personagem mantém diversos rituais.
Sempre se empanturra
aos deuses da gula,
às vezes se encharca
aos deuses do vinho
(quiçá, da cerveja...),
quando pode se esporra
aos deuses do amor,
ora ora
aos deuses da hora...
De todos é mais devotado
aos deuses da forma:
facilitam acesso aos demais...
Pratica as reverências possíveis,
algumas ousadas, outras ridículas,
todas absolutamente necessárias
enquanto as agüenta...
Foco
Desencavando a história
Personagem abre uma janela no tempo
o passado aparece aos pedaços.
Do painel encardido da memória
ressurge em imaculada figura
a figura inventada.
Esse passado é mesmo pintado à mão
mera e pura criação...
Com os pés no chão
Personagem sente à frente de todos
que de então
restaram maneiras e modas.
Tem a nostalgia nas vestes
e a saudade nas mãos,
um ar antigo de pierrô
apaixonado por nada...
E no presente procura
quem quisera ter sido,
extático na expectativa de ainda ser
o admirado ser que não foi,
mas (se) vê...
E olha
que há quem o siga...
Negócio
A vida é negócio.
Tudo pode trocar de mão, de lugar ou de dono.
No peso relativo das coisas,
as sombras se mexem
quando mudam volumes maiores.
Tudo varia em valor:
a regra é o câmbio.
O peso de hoje é o bem de outrora.
A máquina fértil de então
limita o produto de agora.
Livre ou não, a vida é uma feira.
Há quem seja dono das peças.
Sobre as máquinas e os corpos
a ambiciosa mente humana
calcula seus ganhos.
Preso à simplicidade dos seus valores
Personagem sustenta sua base.
A vida que expõe à venda
é a vida que leva.
Se depende da vida que leva,
se faz os seus lances por sobre esta vida,
assim sobrevive, sem lucro.
Sobreviver já é lucro...

Amor
As coisas mais simples são conjuntos
de coisas mais simples.
Nada escapa à simplicidade do complexo.
Tudo é geral.
Quando isolado em sua natureza
Personagem estremece
e o todo do seu ser se parte.
Sente que,
só,
é só uma parte...
Brotam lhe possíveis os liames,
permeiam-se as chances,
vazios se preenchem:
prenhe de fé,
então,
ama.
Entre a poesia fractal do arvoredo
e a prosa geométrica das pedras,
Personagem reencontra e enlaça
a semelhança humana.
Dura o infinito
esse raro momento
em que o amor o faz
completo.

4 Comments:

At maio 29, 2006 9:05 PM, Anonymous Anônimo said...

Personagem é projeto de livro, com 80 fotos jornalísticas recontextualizadas e ressignificadas pelos textos, contando a trajetória de um “personagem”, que, de todos, pode ser qualquer um.
Veja algo mais de Personagem em:
Vídeo > http://www.paradigmadigital.net/exibicao/Personagem.html
Flash > http://www.telemar.com.br/museu/expofoto/persona/personabox.html
Aguinaldo Araújo Ramos foi repórter-fotográfico por quase 30 anos.
Palpiteiro, sociólogo e mestrando em História Comparada, IFCS, tem feito alguns investimentos literários (finalista no Prêmio SESC de Literatura 2005) e está orgulhoso de publicar em Palavril.

 
At junho 01, 2006 1:18 PM, Anonymous Anônimo said...

cheguei a uma conclusao um pouco obvia mas no entanto consistente,e uma simbiose de personagem e uma descricao de sua existencia.embora eu acho que vc tenha estudado no minimo teatro e perfilou o desejo de descreve-lo.

 
At junho 03, 2006 7:54 PM, Anonymous Anônimo said...

Aguinaldo, maravilhoso fotógrafo, cabeça inquieta, descobriu a beleza das palavras que complementam imagens capturadas aqui e ali.
Invejo a capacidade multimídia do meu colega.
Sandra Chaves.

 
At junho 06, 2006 4:15 PM, Anonymous Anônimo said...

"Viagem" foi um dos poucos, raríssimos, textos que reli na rede. Achei-o fantástico.

 

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