GAROTO DE SORTE
por Bruno Borja


Subir o morro era uma moleza. Difícil era descer. Por isso eu armei um esquema com a rapaziada, pra sempre que a gente saísse do morro com bagulho.
Quando era uma missão rápida – subir até a boca e descer – íamos sempre em dupla. Um ia com o dinheiro já contado no bolso (normalmente eu), comprava a maconha e ficava com ela na hora de descer. O outro esperava um pouco antes da boca e descia na frente. Se, chegando na rua, estivesse tudo tranqüilo, ele esperava na calçada. Mas se tivesse sujeira, continuava andando sem parar.
Assim, se o da frente fosse parado não ia ter caô, porque não tinha nenhum flagrante. E o de trás tinha tempo de dispensar o bagulho.
Geralmente era bem calmo, mais ainda em dia de baile. Muito movimento. Tanto de gente, subindo e descendo. Quanto na boca, vendendo pra caralho. Então, sempre que íamos ao baile do Salgueiro, comprávamos uma maconha na subida, fumávamos de montão e descíamos com alguma coisa.
Mas nesse dia foi diferente. Estávamos em cinco e na hora de descer foram três na frente. Atrás fomos eu e Rebouças. Tudo ia bem. Até que os da frente chegaram no pé do morro e, depois de alguma hesitação, atravessaram a rua sem olhar para trás.
Pelo meio da ladeira, eu e Rebouças tomamos um susto. Dispensei meu bagulho e falei pra ele, coé cumpade joga fora essa porra!
Ele travou.
Continuamos descendo normalmente, pra não dar bandeira. Ele com a maconha na mão e eu puto, pensando, caralho que garoto! Por que não dispensou o bagulho!
Quando chegamos na esquina, vimos que vinham um gol e uma blazer da polícia. Apagados e pela contramão da rua enfrente à ladeira. Atravessamos a transversal e passamos do lado deles, preocupados.
Foi aí que um polícia botou a cabeça pra fora do carro e falou zoando, tá tudo na mente, né playboy.
Mal sabia ele. Passamos batidos. E depois ficamos todos discutindo quem tinha agido certo. Eu, que dispensei o meu. Ou ele, que ainda tinha o dele.

1 Comments:

At junho 15, 2006 3:30 PM, Anonymous Anônimo said...

Vivi no meio deles, bem de perto, sentia o cheiro,mas sempre achei que "viajavam", com o sem a droga. Hoje, muitos deles "viajaram",mas não estão no meio de nós.
A propósito:
Os meninos que cresceram comigo
Arlete de Andrade

Os meninos que cresceram comigo:
Destinos tão diferentes.
Tantos credos!
Mulheres, beatas, vestidos longos, mangas compridas; fechando o corpo, fechadas para a vida: As mães dos meninos que cresceram comigo.
Esses meninos tinham sonhos.
As mães rezavam.
Eles matavam os sonhos.
Os meninos que cresceram comigo, alguns, hoje, estão nas páginas dos jornais: Meninos que podem não mais crescer.
As meninas que cresceram comigo, não podem mais estudar: Tão cedo fizeram outros meninos...brincaram de gente grande.
Fizeram meninos que talvez se armarão de educação;
Talvez crescerão; talvez serão diferentes dos meninos que cresceram comigo.

 

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