O processo de criação
por Marcos Fiuza

Pensar em literatura como uma manifestação artística totalmente desvinculada do saber epistemológico e mais ainda, considerar todo processo de criação fruto de um rompante inspiratório baseado em “instantes mágicos” que levam o poeta a criar sua obra a partir de sentimentos momentâneos, nada pautados pela razão, é no mínimo um equívoco. O que muitos podem vir a chamar de “inspiração”, considero ser o despertar inicial de uma possível matéria-prima para um futuro desenvolvimento de uma obra. Com isto, creio ser mais conveniente denominar esta “inspiração”, como sendo uma inicial idéia, e nunca o fim. O fazer poético é, sem dúvida, um processo árduo e trabalhoso. Não gostaria, aqui, de criar polêmicas ou até mesmo despertar indignação daqueles que acham possível criar versos “fast food” baseados naquela tal “inspiração”. O mais importante é trazer para o foco da discussão essa questão, que possivelmente interessa a todos aqueles que participam de movimentos artísticos e/ou são autores.
Pensando um pouco sobre o assunto, podemos fazer algumas comparações simples que nos levam a melhor organizar as idéias. Imagine um músico que, em um primeiro momento, tem uma idéia norteadora e intenciona usa-la em uma série de composições que pretende compor. Se pensarmos em um processo criativo que descarta a necessidade de uma base epistemológica forte, ou até mesmo, na ausência deste conhecimento, um forte empenho intelectual que o capacite a desenvolver satisfatoriamente seus objetivos, é de se duvidar da real qualidade do “produto” artístico desenvolvido por esse músico. Será que Bethoven comporia suas sinfonias pautadas apenas em “inspiração”? Ou talvez Picasso atravessaria todas as suas fases sem conhecer a fundo a pintura? Acredito que não. Indo um pouco mais além, poderíamos nos indagar se Platão realmente expulsaria os artistas da República, se considerasse as obras por eles desenvolvidas algo oriundo apenas de mera “inspiração”.
Acredito ser o poeta, antes de mais nada, um pensador, que capta o mundo a sua volta e transforma-o em versos. O olhar, lançado pelo poeta, sobre as coisas é único, singular, é a sua particular experiência sensível, que transcende e emociona sem se preocupar. A dolorosa batalha travada entre o poeta e o papel, é digna das mais heróicas novelas de cavalaria. Este combate, em que a razão e a sensibilidade se digladiam, reflete o duro e infindo combate travado entre o poeta e seu mais fiel inimigo, sua consciência. Assim termino com exemplares versos de um poeta exemplar:

Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.

Carlos Drummond de Andrade

* Marcos Fiuza
Poeta, professor e pós-graduando em Literatura portuguesa e literaturas africanas de língua portuguesa - UFRJ
mvfiuza@yahoo.com.br

2 Comments:

At maio 30, 2006 8:46 AM, Anonymous Anônimo said...

Bem, discordo um pouco de você, pois o fato de um poema ou até uma pintura podem, sim surgir de um ato inconsciente e momentâneo que tomou conta do artista em determinados instantes. quem disse que não se pensa o mundo em poucos segundos, poderia dizer que até pode parecer intuitivo, qualidade de poucos. Mas, é claro que não descarto que, muitas vezes, quando escrevemos algo espontaneamente, nem sempre sai bom. porém o que importa? simplesmente expor seus sentimentos como uma maneira de catarse ou ainda essa catarse sempre tem q estar vinculada ao público; pois posso escrever só pra mim! Deixaria de ser um artista? ou será o artista aquele que sempre se expoe publicamente? não estaríamos assim exigindo uma função pr-e-estabelecida para o ato da criação e, conseqüentemente pra literatura? Não sei. Mas, com certeza muitas das coisas que vc falou, vc tem td razão ou talvez não( rsrsrrssrsrrssrsr).

 
At maio 30, 2006 8:36 PM, Anonymous Anônimo said...

vc pode estar certos de muitas,mas uma coisa eu nao concordo com vc.o poeta e livre para escrever o quiser,ele tem o direito desabafar seus sentimentos.e raro ver uma pessoa dizer que o poeta pode desconstruir a forma de se pensar sobre literatura e poesia e tb acho que vc pode mudar de opiniao porque nos vivemos em constantes mudancas assim espero uma melhora e desculpas pelas palavras sao amigaveis.

 

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