EDITORIAL

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* Para acompanhar o lançamento dos próximos números da Palavril, envie um email para: palavril@yahoo.com.br




NÃO

Não me venha com gentilezas
que lhe trago a superfície.
Apenas isso e um beijo na boca.
Acorda, amigo.
Vamos lavar a roupa,
deixá-la secar sobre a grama,
ver as almofadas brancas.
Não se jogue sobre elas!
Vamos correr, os dois, debaixo do sol morno
antes que viremos só lembranças.

Elaine Pauvolid



APREENSIVO

O corpo vazio
Apreensivo
Segundos se esvaindo lentamente:
O tempo liquefeito
Suor gotejando na palma
Da mão silenciosa
Agitação estática do espírito
Imprevisível...

O corpo inerte
Compungido
As horas oscilando no relógio:
O tempo rotativo
A inquietude de cada movimento
Atentamente dispersivo
Todos os sentidos em descompasso
Numa pausa para tua espera.

David Cohen



Movimento inVerso

Palavras, palavras, lavras,
minha mente e desmentes
tudo que aparece como ilusão,
ou não,
talvez seja sonho
e sonho vira realidade.

Através da palavra,
no viés do verso, na rota
do movimento inverso,
voltar para colher os frutos,
dar a volta e tentar
tentar de novo,
tentar o novo,
tentar

Clauky Saba



Trava-Língua
(ou mais um poema que não consegui terminar)

O rei roeu o rabo do rato
Preso por desacato
A falta de autoridade
Que impera no reino

O rato farto do descaso
Imposto no decreto
Por falta de escolha
Entregou-se ao acaso

E na espera do próximo ato
O rato descrente
Na falta de aviso
Enlouquece de fato

O rei roeu o rabo do rato

Diego Tribuzy


NO FUTURO DO PRESENTE
( NU FUTURO )

Vou tomar coca-cola em comprimido
A luz vai ter peso
Todo livro será ouvido
Quem for livre estará preso
A morte será vendável
Na música a imagem valerá mais
A mulher totalmente descartável
Avião voará pra frente e pra trás

O orgasmo será na mente
Intelectuais auto implantarão chipes
Os burros vão ser dementes
Animais e flora só em vídeo clipes
Os feios serão doentes
Os professores lecionarão na tela
Militares prestarão favores
Os velhos comerão as belas
Guerras mundiais por qualquer disse-me-disse
Computadores com “informatices”
Roubos eletrônicos
Ladrões invisíveis e geniais
Pais desconhecidos de dnas
Gays ganharão filhos por trás
Mãe de laboratório, pai de mictório
Filhos nascidos da matemática
Triste ! o poeta vai perder a prática
Pra comer vão te dar lixo atômico.
Mendigos supersônicos
Pela Terra vão durar pouco
E lá na frente
Serei chamado de gênio e não de louco.

Marcelo Girard



Em uma falência de refletores, reflexos de pesos em ânsias quentes nas palmas lineares. Um sal em nuca me protege. Exala de meu mais branco artifício essa coisa casual que denominou-se Sorriso?
Uma visão de muito trato salta de um buraco em mim. Em mim? Em miniaturas de mim. Nada mais do que um leve espaço deixado ao apalpar. Meu vácuo me grita. Me grita? Grito. Mas o meu corpo só quer exalar certo prazer. Com ouvidos cicatrizados em rasgos de gritos, exalo, de mim, mim?, mim!, gigantescos de mim, um Sorriso? romancesco. Agora me grito! Espero sorrir! Meu corpo só quer sorrir! Exale-me Sorrisos. Permita-me Sorrisos. Em sal. No avesso do descolorido. No fim do jogo suado. E daí, de mim em mim, meu grito exala um mim, Sorriso salgado de mim!


Já não sei mais se Sorriso ou se te olho. Já sinto que em meu sal brota suor de pouco Sorriso. Suor de medo. Sorriso. Suor de ah. Sorriso. Suor de. Sorriso. Já sinto a pele da raiz. E já não sinto suor, Sorriso, exalar. Já não exalo. Nada. Só olho. E nada. Estou precisando consultar meu analista...

por Mariana do Rego



Desequilibrei. Só isso. Quando tentei olhar lá embaixo. E o vento passou rápido demais por mim. E a velocidade me assustou. E nem entendi muito bem o que tinha acontecido. Simplesmente, desequilíbrio.


Talvez, se soubesse, não teria ido lá olhar. Não teria me afastado dos outros. Logo eu, que sempre fiz tudo como mandavam. Se soubesse, não teria subido. Não chegaria perto. Não me inclinaria tanto.

Mas era todo aquele campo, aquela imensidão, aquele todo-dia, e um desse todo-dia parecia igual demais. Nunca, nunca isso me incomodou. Nem naquela hora, mas... Tentei fugir um pouco; acho que tentei ir apenas por ir. Aquele lugar sempre me atraiu, vovó sempre dizia que não devíamos chegar perto, e eu nunca nem pensei em fazer isso. Mas algumas vezes, sem que eu me desse conta, virava e olhava, deixava os animais por alguns segundos de lado. Depois, esquecia e ia embora. E continuava. Sempre, sempre continuava.

E aquele campo, que sempre foi a minha casa... todo aquele verde, debaixo de tanto céu, debaixo de tanto, tanto céu...

Quando olhei...era um abismo, e meus olhos se abriram mais. E o ar parou debaixo do meu nariz, e eu não senti minhas mãos segurando no galho. Depois olhei, estava firme. Não sei, acho que tive medo, tentei voltar, mas continuei ali, continuei olhando. E alguma coisa no sentimento do todo-dia não estava mais lá, e a falta me deixou tonta. Os pés estavam firmes, tenho certeza, por isso não sei; por isso não entendo. Desequilibrei, e foi isso. Tudo lá embaixo parecia bem perto, embora muito longe.

Eu desequilibrei. Não me senti mais. Nem cheguei a sentir o baque.

por Sheila Louzada


por Marcelo Ricardo


O ponto de partida para que eu criasse tais palíndromos foi o palíndromo "Socorram-me: subi no ônibus em Marrocos", cujo autor eu desconheço.

POBRE DONZELA
Socorram-me:
Só dá bêbados em marrocos

POBRE DOENTE
Socorram-me:
A cama é a maca em Marrocos

Palíndromo simples
-Édna, ande!!

MEGABOBAGEM
Sobre verbos, socos.

SETESETES
7777777


Está no PEQUENO DICIONÁRIO DE ARTE POÉTICA, do poeta Geir Campos: "Palíndromo: diz se o verso que se lê igualmente num e noutro sentido, como o exemplo(...), ou o luso-brasileiro, que anda de boca em boca, entre os amantes de curiosidades literárias:

ROMA ME TEM AMOR



Caminhando com passo de formiga, o gigante formado pelas pequenas e médias mídias está crescendo.

por Vinícius Longo

Pode parecer até piada, mas o que aconteceria se um grupo de 100 veículos comunitários, livres, alternativos de diferentes formatos (Impresso, rádio, TV e Internet) se reunissem para tentar produzir uma área de interesse em comum que pudesse beneficiar a todos? A primeira imagem que vem é de um grande gigante que tem acesso a pequenos buracos, não sei talvez com os dedos ou até mesmo com a língua. O Centro Nervoso vem reunindo esses veículos desde dezembro de 2005 e agora ele caminha com a ajuda da Palavril, passando a ter uma coluna fixa, que abordará as novas mídias.

A intenção aqui são duas: Informar e promover o debate. Convocando todos aqueles que quiserem participar e aderir ao movimento, comparecerem todo primeiro domingo, às 16h (sem atrasos, por favor) na Associação de Moradores de Laranjeiras - AMAL, que fica no endereço: Rua Pinheiro Machado, 31 / 2° andar – Laranjeiras. SALA 1,

Quem quiser é só chegar. Estamos convocando músicos, poetas, moradores de rua, artistas em geral que tenham interesse em promover o debate. Só vai apenas um toque: "Chega de mansinho, não chega trazendo só problemas, porquê a intenção é gerar soluções, não apenas fazer histórico dos problemas". De certa forma as publicações já estão saturadas com isso, para começar com a distribuição que no Brasil existem apenas duas que abrangem todo o Brasil. Uma que apenas distribui suas próprias publicações e outra que está aberto, mas segundo Raphael Vidal, editor da revista Bagatelas disse no encontro de Abril: "O primeiro encontro precisa ser em São Paulo para eles avaliarem seu material e caso seja positivo, eles cobram 30% do preço". Isto parece justo para vocês?

Bom, justo ou não é uma opção e certamente nao é a última. Por isso, eu pergunto a quem quiser. Você sabe alguma opção para a distribuição neste vasto mundo chamado Brasil? Quem tiver é só participar da comunidade do orkut: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=7996152 ou senão aparecer no próximo encontro, dia 07 de maio na AMAL.
"Malandro, é só chegar! Mas chega de mansinho, não chega botando banca senão, a gente manda de volta para o lugar de onde veio. Somos todos amigos e precisamos antes de falar, ouvir e dividir as experiências". Tenho dito! Conto com a sua presença!

* Vinicius Longo é poeta e palhaço
vinicius.longo@gmail.com



As Bonecas
Por Samitri Bará

O Projeto "As Bonecas" surgiu inspirado no movimento surrealista, o qual propoe imagens verossímeis, óbvias que são associadas e combinadas num contexto escandaloso, incoerente, inexplicável e absurdo. Tendo como base as pinturas de René Magritte o qual concentrava-se no subconsciênte pelo indivíduo aos objetos comuns, dos quais pretende revelar os mistérios que os ligam. E as fotografias de Man Ray, onde as imagens não são modificadas, modificam-se as relações com que normalmente as imagens se associam entre si. "As Bonecas" aborda uma proposta questionadora de como a sociedade está mudando seus valores, hábitos e costumes com o objetivo de provocar no indivíduo respostas ou soluções.

Samitri Bará Cursa o 2º Período de Fotografia na Universidade Estácio de Sá e 1º Período de Artes Plásticas na UERJ
























As Literaturas Africanas de Língua Portuguesa
por Marcos Fiuza

As literaturas africanas de língua portuguesa, pouco conhecidas dos leitores brasileiros, são o reflexo da identidade dos países colonizados em África. Com pouquíssimas publicações no Brasil, é difícil encontrar livros de literatura africana em livrarias e bibliotecas não-especializadas, tornando seu estudo uma tarefa árdua, Sem contar com a juventude desta literatura que impede a existência de um número satisfatório de textos teóricos sobre o assunto. Esta literatura é particularmente diferente da maioria das literaturas mundiais. Onde não se imaginava ser possível a criação artística, ela surge, primeiramente, como um foco de luta contra a opressão externa, cantando a África de dentro para fora e não com um olhar preconceituosamente externo, de colonizador para colonizado. A arte surge dentro de um campo aparentemente infértil para a criação artística, mas que nos mostra o poder e a força transformadora que ela proporciona, Dentre todos os momentos pelo qual passaram as literaturas africanas, eu destaco dois que são, para mim, os mais belos e emocionantes.

Em um primeiro momento vemos uma literatura voltada para a valorização do negro pelo negro. Há a tentativa de evidenciar aspectos culturais próprios da África, negando o colonizador em todos os seus aspectos, seja física e/ou culturalmente. Assim, neste período, décadas de 1940 e 1950, podemos apreciar belos versos, recheados de emoção e sinceridade, sendo os primeiros gritos libertários africanos. Uma genuína literatura africana inicia-se ali, desvinculando-se de uma literatura “mimética” ao modelo português, imposta pelo colonizador. Então, como mostram os versos da moçambicana Noémia de Souza, temos a temática do negro e do afastamento ideológico do opressor como focos privilegiados da poesia. O belo passa a ser o telúrio, a cultura africana, mostrando como a distorção ideológica do colonizador traz a falsa identidade ao povo, Cito este trecho para melhor ilustrar:

"Negra
Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos

quiseram cantar teus encantos

para elas só de mistérios profundos,

de delírios e feitiçarias...

Teus encantos profundos de África.

(...)

E ainda bem.

Ainda bem que nos deixaram a nós,

do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,

sofrimento,

a glória única e sentida de te cantar

com emoção verdadeira e radical,

a glória comovida de cantar, toda amassada,

moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE"


Alguns anos mais tarde, nos idos das décadas de 1960 e 1970, encontramos uma literatura mais madura, porém recheada também de emoção e revolta. Este período é marcado pelo início da luta armada em Angola e uma forte postura de engajamento político da maioria dos autores. Neste período, a poesia é o reflexo do inconformismo que pairava nos países africanos. Não satisfeitos com a atual situação imposta pelo jugo salazarista, a poesia passa a ser um veículo de mobilização do africano contra o opressor português. Com isso, os poemas são caracterizados por conter um discurso panfletário e emotivo. É um período que antecede a revolução pró-independência de 1975, em que a literatura e a política misturam-se, muitas vezes confundindo-se. As poesias são claramente um mecanismo de “chamamento” do povo para a luta armada, mostrando claramente que o objetivo a ser atingido é o combate ao modelo colonial, daí a literatura deste período ser chamada de “literatura de combate”, “literatura de protesto” ou “poesia necessária”. Assim, para melhor esclarecer esses aspectos, nada melhor que lermos. Cito versos do poeta angolano Manuel Rui, ícone desta geração:


"Poesia necessária

De palavras novas também se faz país

neste país tão feito de poemas

que a produção e tudo a semear

terá de ser cantado noutro ciclo.
(...)
Proponho-me um verso novo

para a guelra do peixe sem contar
para a abundância da carne
e a liberdade das aves desenhada

dos campos

e das fábricas

(...)
"

Com estas pequenas considerações, tentei trazer um pouco de um mundo vasto e desconhecido. A partir da leitura de poemas africanos, podemos entender mais sobre a história e a evolução ideológica dos países africanos colonizados por Portugal, além da deliciosa aventura que é saborear esses poemas, que trazem não só o engenho, mas também toda a carga emocional africana.


Marcos Fiuza
Poeta, professor e pós-graduando em Literatura portuguesa e literaturas africanas de língua portuguesa - UFRJ

mvfiuza@yahoo.com.br




Sem tempo para títulos

Amontoa
Amontoa

Quebra-cabeças,
Mas esta montado,
Sem arestas(esta no meio)

Segundos são moedas
Minutos nossas notas
Inflação!
Sobe, sobe, sobe

Pensei?
Nem sei

Corre, nem vai dar tempo,
Deu, mas não deu
Não tá dando, mas tá dando!

Amontoa
Amontoa

Bruno Fonseca

Saideira

Nem é isto, basta dizer
que não volto,
durante a noite sou vulto, nunca vento.
Não tento a sorte.
Toda histeria perdeu a graça,
Abandonei tua geladeira,
Não me encontro
nos teus papéis.
Gosto de acordar tarde pra vida
Um bom vinil, qualquer
Café e um cigarro.
Depois?
Nem olhar pro lado
Um novo mundo
sem gosto de passado

Renato Limão


Tudo tem tudo

D’onde o nada em tudo está,
o grande tudo sempre vem,
onde o nada tudo é já,
o grande tudo nada tem.

Para o nada poder dar,
é preciso o tudo vir,
como é bom tudo ficar,
como é triste nada ir.

D’onde a alma tudo clama,
com certeza, nada volta,
tudo tem acesa a chama,
onde o nada, em vão, se solta.

Onde o tudo cai na treva,
é onde o nada fica mudo,
fraco, o tudo nada leva,
forte, o nada leva tudo.

Roberto Armorizzi


hoje um ônibus me pegou
e fomos passear nos pontos da cidade
as lojas passaram uma a uma
seus manequins me acenando das vitrines
correram aos montes barracas de camelôs
abarrotadas de quinquilharias
as calçadas se moviam
levando para trás crianças sem lar
às vezes parava
me vinha uma ou duas
demonstrar seu malabarismo
a calçada dava um novo arranque
e carregava mais um espetáculo
do Grand Circo del Mundo
outdoores corriam um atrás do outro
pra ver quem chegava primeiro
a erguer a taça do dinheiro
sobre o pódio de consumidore
seu já me consumia
com todo esse movimento a minha volta
foi quando dei o sinal:
"pára o mundo que eu quero descer!"

Beatriz Tavares

Um solilóquio à paz

Enfim do asco se fez o gozo
Da solitude a solidão
Enquanto em mim as cinzas ficavam
E me ludibriavam e me enterneciam
Do descaso então o amor e a Lisergia
Por entre as mãos suadas
E mornas e secas e frias
Onde tudo se acabava
Onde tudo se escondia.
Os olhos se perpassavam
Nos bares e na poesia
E Entrementes e acasos
Minha vida te escolhia.
Mas tudo não passou de um dia...
Tudo não passou e um dia!
Um bar.
Um amor.
E esquizofrenia.

Bianca Lima







O OLHAR
Por Julio César Correa

A noite já amadurecia. E em volta do morto, um pequeno grupo. Nenhuma rosa, nenhuma vela, nenhuma lágrima. Total desprezo por aquele corpo, virado de bruços no meio da rua. Olhavam para ele como se quisessem apenas a confirmação de estarem livres de algo indesejável.
Um policial chegou, fazendo perguntas. Como? Quando? Quem havia matado o aquele pobre diabo?
Mulher grávida com moleque no colo, falou que não gostava dele não e vai ser ruim de o senhor achar alguém aqui que gostasse desse desgraçado. Por quê? Ah, ele tinha um olhar!
Um velho sem perna, apoiado em muletas, disse que dava medo, moço! Cruz credo! Parecia até coisa ruim!
Rapazinho efeminado contou que era um horrorrrr! Dava arrepio. Todo mundo evitava aquele olhar.
Mulata abraçada com moreno parrudo, com cicatriz no rosto, comentou que ele era caladão! Um silêncio que incomodava mais do que gritaria. O quê? Não, nunca me fez mal não senhor. Mas era horrível o que a gente via naquele olhar!
Moreno parrudo com cicatriz no rosto: - Olha aqui ô doutor, vou lhe dizer, até gostei que alguém tenha mandado esse muquirana pro saco. Virou-se para o morto, escarrou e prosseguiu com ódio – E ainda morreu sorrindo, como se risse da gente!
Crioulo pintoso e bem arrumado achou um exagero, gente! Gostava dele e do que via nos seus olhos.
O rapazinho efeminado, então, observou sarcástico: - Mas você é narcisista, meu bem. E os olhos dele eram como espelhos.
E todos concordaram em coro: - Sim, espelhos. Os olhos dele eram como espelhos!
Curioso, o policial se abaixou e virou o corpo. Ainda era jovem. Nos lábios, um sorriso tranqüilo de quem parecia estar mesmo descansando em paz.
Seria até um morto bonito, não fossem os seus olhos arrancados.





Exorcismo
por Dan Soares

Saiam daqui, insensatas palavras que entraram na minha cabeça sem permissão. Saiam já daqui, intangíveis invasoras que conspiram na minha consciência uma revolução verbal, que confabulam fábulas com meus botões e me atormentam terríveis tormentas de ferro e fogo.
Dêem o fora, diabólicas orações que me assaltam com a trágica sinfonia de suas sílabas proibidas.
Batam em retirada, falanges de verbos, artigos, pronomes e nomes, e nunca, nunca mais venham me assombrar os sentidos com suas sonoras faíscas incandescentes.
Palavras, desapareçam de uma só vez! Para que, livre de vocês, eu passe a falar menos, e a ouvir mais

A poesia que a vida faz
A poesia que a vida faz
A poesia que a vida traz




BECO DO RATO
por Felipe Cataldo

E SURGE UM SUSPIRO VITAL NO CINEMA INDEPENDENTE BRASILEIRO
SESSÕES DAS DEZ ENTRE DOIS BOTEQUINS:
O QUE APOIA A CULTURA BRASILEIRA
E O QUE TEM VERGONHA ATÉ DE OLHAR PARA A TELA
PORQUE ELA O ESPELHA
SUA VIDA É LÁ REFLETIDA ATRAVÉS DO PROJETOR
NÃO É UMA TELA EM QUE STALONE É O HERÓI DO ANO 3487
É A VERDADEIRA LENTE DA VERDADE

O BRASIL PRECISA SE VER
MAS NÃO É COM O TRÊS-POR-QUATRO DIGITAL DO SHOPPING CENTER
É COM SUAS MAZELAS INSERIDAS NA CULTURA
É COM O POVO FALANDO NAS TELAS E SESSÕES DE CINEMA
É COM OS FILMES QUE PASSAM NO BECO DO RATO
O BECO ONDE MOROU MANUEL BANDEIRA
ME ENCONTRE LÁ!

TODA QUINTA-FEIRA
IMPRETERIVELMENTE
A PARTIR DAS VINTE E DUAS HORAS
22... DE GRAÇA
DEZ DA NOITE AINDA ROLA O CHORINHO
OS FILMES COMEÇAM DEPOIS
LOGO DEPOIS...
MAS AS CERVEJAS ROLAM ANTES
JÁ FALEI QUE DA CACHAÇA NÃO BEBO MAIS
MAS...

BECO DO RATO
NA LAPA
ESQUINA DA JOAQUIM SILVA COM A MORAIS E VALE
EVENTO DE QUINTA DE PRIMEIRA
TODA QUINTA
NOTA DEZ
DEZ DA NOITE






PARalelo
por João Francisco Mariano

O famoso teste de borrões de nome estranho sempre me fascinou, Rorschach, de pronúncia, "rór-chó-que", para mim, uma palavra tão surreal quando suas imagens carregadas de incertezas e ambiguidades.
Não desejei ir tão fundo, nem ser absolutamente literal, procurei uma linha tênue entre esses dois extremos dentro da linguagem fotográfica.
São cliques cotidianos, daqueles que nos esbarramos no dia a dia com a câmera na mão, mas ao olhar no visor, procurei o corte PARalelo.




















































































por Naaman Filho

























































Psiquiatra
por Luciana Ferreira

Da janelinha da sala de espera do consultório avisto um homem. Branco, barbudo, de forma redonda e achatada. Ao julgar pelo terno, deve ser alguém importante. E importante significa ganhar bem. Na calçada oposta duas meninas uniformizadas conversando. Mesmo aqui de longe posso ouvir suas risadas. Rua com movimento intenso de carros. Pessoas indo, vindo, só não sei de onde e nem para onde. Um ônibus cheio de pessoas que eu não sei quem são. Posso tentar desvendar a vida das pessoas que vejo através da janela, mas nunca vou saber se acertei com todas. Mesmo acreditando que todos estamos apenas a seis pessoas das outras, tenho preguiça e medo de descobrir. Prefiro dar cor que desejo a vida. Pensar que aquele homem bem vestido é infeliz e sozinho, e vive para o trabalho. Prefiro pensar que as meninas conversando estão falando sobre rapazes, e que logo estarão magoadas pelos mesmos. Isso porque vemos o que queremos ver. Se eu não enxergasse o mundo desta maneira triste, poderia achar que o problema sou eu. E isso seria muito mais difícil.



Convocado pra Copa: agora tem que vir o rabisco torto

Em ir fazê-lo de letra, sem meias verdades ou comemorações-coreógrafo


Foi lá e o Alex Topini a me dizer que devemos mesmo coabitar numa boa e mais essas coisas de se respeitar, torcer, literariamente falando. Concordo, havendo reservas, não à pessoa dele, mas à minha. O que, senão, posso? Porra; chamou ou não chamou a tomar parte no quadro clínico fitoterápico pra malucos de apontamentos desta nova iniciativa, a Palavril? Ou o Palavril, no masculino; aliás, e que falta de respeito com os meus cicerones treinadores, hein... Pagam-me? Não. Pelo menos, no prelo, não me censuram, não censuraram, e nem vão, em alguma vez; até por isso, creio, vale o que, como outros, salvar-se-ão. Iniciativas dessas. Silêncio nisso; tenho mãos, logo escrevo. É mesmo, cabecinha? Então, Rod Britto, vai escrever sobre o quê? Valeu pela confiança, Alex – agradece também à sua mina, pelas fotos mandadas, carece não, eu já o faço pessoalmente, jazia ela ali. E o que eu, ou você, tem a ver com isso? Nada, nenhum blog, receite palavril, não lhes digo o mesmo do prazer, ou outro estádio. Sabe, penso, se nos respeitar ‘sim’, novos escritores falando (falando? mais do que gritando mudos?), no entanto, confio mesmo é que tem de ser dentro de limites cuidadosos, da estima. Aceitação universal, da diversidade, é outra coisa, longe dos contatos espúrios e em áreas de interesse fingindo ignorantes dos focos que ao natural se repeliriam. Não é por coisa pouca que uma geração uma turma uma horda uma frota se sustenta dentro de uma mínima ou média ordem (ou mesmo numa subordem, até, que deus os dote, faz favor, numa contra-ordem, e se, vá lá dos porões refeitos em torcida!), na de pensar a sociedade, sua cultura, o seu e o modo de ser e existir dos outros; assim quem se retrata a partir do ajuntamento em espanador de letras, palavras, orações, acusações, ereções, injeções, edições, hinos, tudo fruto das impressões gerais ou dos sentimentos displicentes de quem fi-lo, na maioria das vezes inevitáveis, pautadas sem margens nas verdades. E junta geral que é assim. Maracanã. Tá pronto! Valeu, quarta feira é troca de papéis-revolução, quinta, gorgonzola em recital. Cobrar-se-ia é que se revelasse, fazendo-se, com um pouco menos das supostas e enfronhadas honras do varal literário, como não sob análises psiquiátricas do mundo burguês – ambas marcas sempre no péssimo cenário atual dos consórcios honoríficos em amabilidades, agradecido, seu filho de uma fada –, seja de um bairro, uma cidade, numa localidade, onde for, é que tenha uma busca de identidade e que os ideais e princípios ativos sejam só reforçados na evidência à virulência de um grupo forte, distintíssimo, mil sabores, melhores convocados pintando o sete adiantado no muro da rua, multiuso, aço-inox, te critico, só fica na vontade em me editar é, pelo menos sejam antes no honesto das questões básicas de se expressar mais ou menos aproximados. Literatura não é discurso à toa, é vida boa. Aí acredito, mesmo. Pois também se quiserem solidão, terão de montão. Tentem-na. O que é bem melhor do que muitas leveduras enganosas; sejam elas por ideologia, pelo contrato das dívidas, ou baús do degredo, ou suportes variados, te suporto, isso sim, não vou brincando. Tenho dito. E vai publicar mesmo isso? No duro (Sílvio Santos)? “A copa do mundo é nossa, vai de novo o Laranjinha!”. Afinal: será mesmo que eu gosto desse sujeitinho, que conheci não tem nem muito tempo, me chamou pra escrever, na noite dos vadios de dia arredios, que compete comigo, que faz outro daquilo, assoa pra mim, comunica e namora... Continuo a ver no que dá sem reler, pras próximas. Um abraço, e é bem por aí, mesmo. Diga-me Torquato Neto, diga: não me siga que eu não sou novela. Já vou o fazendo...


Rod Britto é jornalista e editor
gratoporlembrar@gmail.com



JE VOUS SALUE MARIE

Anônimos possessos
Se seduzem
Ferrenha luta
A conquista ...
Macho versus fêmea
O anjo se retira
Uma estocada
Jaz sangue sobre organdi
Das dores deu lugar
A prazeres
Das trevas à luz
Fiat luz
Se constituindo
Simplesmente
Maria.

Dalberto Gomes



Eu

A força de minhas palavras tem toda fraqueza do mundo.
A beleza de meus versos, toda a feiura do mundo.
A alegria de minha música, toda a tristeza do mundo.
A pureza de meu ser tem toda sujeira do mundo.
Sou forte, porque sou fraco.
Sou bonito, pois sou feio.
Alegre, pois sou triste.
Sou puro, porque sou sujo.
Vivo na cidade e no mato.
Pedras e árvores são o meu meio.
Em meu lugar, ocupo espaço
Com cuidado e sem receio.
Simples e mágico.
Comum e solitário.
Cômico, trágico.
Sou tudo, porque sou nada.
De carne e de osso, à estrada.
Sou fato.
Exclusivo.
Único ato.
Imperfeito.
Impuro.
Sou assim.
Sou Renato.

Renato Touzpin



Brincadeira de lembrança

Um, dois, três: lá vou eu!
Extensão do habitat, partícula da picula...
Pula, pula sem cabeça a mula
Três, dois, um: mas não é pra qualquer um!

Pêra, uva, maça, salada mista
Gororoba da galera, beijo meu não insista.
Pista livre, libertos os que na infância existiram
Seres serenos e leves das dores que não os consumiram!!

Vou contar até 10!
Muitos vem, muitos vão
E quantos hoje são reféns?

Um, dois, três salve todos!
Apologia à fugacidade da cancerígena existência,
Apelo à veracidade pelo resto de essência...

Danyele Barros


Grupo e o Cara

Um tiro na cara;
Um grupo , um cara
Afinal... sempre lidou com a rua
De forma crua, autodidata!
Unir-se a um meio...lhe mata
Conter sua produção, sua evolução...
Por ver alem da racionalização?
Caia, ser genial!!!
De caráter animal
Que enxerga outra dimensão
Que enxerga o que não se vê
E se escreve...pra ninguém lê
O mundo se distancia .... lhe desperta agonia
E assim ele cria,
Se torna via tradutora do que se está calado
É menos lembrado... acuado
Que povinho desgraçado!
Engatinha!...gentinha!
Que se cega a um poeta
Questionador da seta imposta por alguém
Não se sabe quem!? Covarde...
Pois ao poeta não encara
E o grupo versus o cara

Marcelo Felippe

Woody Allen em Manhattan

o ônibus de turismo entrou na minha rua
lá dentro nos davam cerveja
tanto que eu morgava na janela
uma janela do corredor direito
vendo a vida passar, sempre assim
até que você se destacou
roubou a cena quando se levantou
do nada meu amor saltou
e eu, bebendo, fiquei
bares que rodeiam as universidades...

o ônibus seguiu viagem
e me bateu um forte arrependimento
tão forte que me fez saltar
na esperança de te encontrar
pra dizer que te amo

corri pela rua perpendicular à minha
me sentindo woody allen em manhattan
não te encontrei, me desesperei
até que te vi, ao longe, de pé, na calçada
virada para mim, contra o tráfego
gritei teu nome e você saiu correndo
e eu corri atrás de você, loucamente
pra dizer que te amo
todos dizem "eu te amo"...

enfim te alcancei e você me surpreendeu
pediu um beijo de cerveja
foi tudo tão bom, bom...
corrói por dentro pensar que acabou
tanta cerveja me faz lembrar
que sou apenas mais um típico farto
subproduto de bar
mas toda noite, antes de dormir
ainda penso em você
querendo sonhar contigo outra vez
penso que poderia ficar ao teu lado para sempre
talvez...

teus olhos são lindos
cheios de colégio interno

Felipe Cataldo



TAPA NA CARA

por Bruno N. F. Borja

Era meio arriscado, mas vez ou outra a gente fumava um fininho lá trás do ônibus. Não era muito comum. E normalmente fumávamos de madrugada, voltando de alguma noite na barra, passando pelo Alto da Boa Vista.
E foi nisto que pensei, enquanto esperava o ônibus com Manu, às cinco da manhã no Leblon.
A noite tinha sido perfeita e estava me sentindo apaixonado, o dono do mundo. Avistei o 415 (Leblon-Usina) vazio, vazio e comecei a tramar, porra eu deixo ela em casa, aperto um no caminho e vou fumando no ônibus pelo Aterro.
Assim eu fiz. Deixei-a em casa, em Botafogo, e fui apertando um enquanto andava para o ponto no Aterro.
Estava tudo uma maravilha, até o momento em que entrei no ônibus e constatei o seguinte:
Primeiro que, depois de deixá-la em casa, já não eram cinco, mas seis horas da manhã. Dia claro.
Segundo que o ônibus não estava mais vazio. Ao contrário, não tinha um lugar sobrando.
Terceiro que eu não tinha apertado um fininho, mas sim um baseadão.
Pronto. Agora estava eu, e só eu, em pé ao lado da trocadora, pensando o que fazer com um baseadão na mão dentro daquele ônibus repleto de trabalhadores. Todos calados e ainda meio sonados.
Passei o Aterro todo pensando. Quando paramos em frente à Candelária, eu, o dono do mundo, pensei, foda-se! e acendi.
A trocadora ainda me alertou, ih meu filho, acho que você não pode fumar isso aqui não!
Tá tranqüilo tia, respondi cheio de moral.
Logo, logo todo mundo começou a olhar para trás. E eu nem aí. Mas foi quando vi um negão enorme, com uma careca lustrosa e um bigode imponente, que eu senti o drama. Ele me olhou com a cara fechada e diante do perigo, joguei o beque pela janela.
Não adiantou.
Do meio do ônibus ele levantou, com um trinta-e-oito cromado, e veio em minha direção. (Fiquei paralisado). E sem dizer uma palavra, me deu um tapa de mão cheia no pé da orelha e me botou pra fora a pontapés.
Desci perto da Central, ainda meio atordoado e sem entender nada. Logo me recompus e voltei a me sentir só mais um na multidão do Centro da cidade. Então compreendi que o tapa na cara é um verdadeiro choque de realidade.
E que eu mereci também.




ARMORIZANDO EM CORES – UMA TRAJETÓRIA ARTÍSTICA

É tão fascinante o “delírio” que as cores nos proporcionam. A emoção delas advinda é tão surpreendente.
Quando se fala em técnicas ou quando se revelam preocupações com textura, matizes, nuances, chapadas, perspectiva linear ou de luz e sombra, etc., coloca-se um pouco em esquecimento o “delírio” das cores e a emoção. Parece que o envolvimento racional e consciente com essas questões afasta a liberdade de expressão.
Minha vivência pictórica passa à revelia dessas perfeições, as quais reputo imperfeitas do ponto de vista da real entrega.
Cores descompassadas e muitas vezes sem a devida combinação, trazem à consciência, com surpreendente inteireza, fascinantes revelações vindas das profundezas do inconsciente.
Vivo intensamente as cores, “harmonizando-as” num curioso
estilo de modo desconfigurado por um profundo mergulho em “perfeitas texturas”, ao sabor de imperfeições formais. Essa libertação pictórica, solta de padrões pré-estabelecidos, que prima por não “aprisionar” a verdadeira e incondicional criação, mobiliza e eterniza o meu ser.
Devo ressaltar que, voltando o olhar para a atual contemporaneidade, onde a falta de tempo hábil, a diminuição de espaço vital, a evolução tecnológica e tantos outros fenômenos estão mudando completamente a nossa civilização, percebo que não vale tanto à pena a procura de detalhes e a busca pela perfeição técnica, pois tudo é rapidamente desfeito pelas mudanças que ocorrem a nível global, as quais conseqüentemente coloca o homem contemporâneo num processo de “mutáveis imperfeições”.
Por esse caminho avalio a importância da pintura contemporânea, que além da busca pela experimentação que lhe é peculiar, traz em seu modo de ser encantadoras imperfeições de forma.
O ser humano, com a infindável inquietação que o tem levado a procurar o belo e o tem induzido a rejeitar a fealdade, vê-se estimulado a querer sempre consertar o que, mesmo de forma ilusória, se lhe apresenta defeituoso.
Acredito, pois, numa espontânea autenticidade que me faz ficar próximo cada vez mais das formas imperfeitas, como que objetivando um contato extremamente fiel com a natureza, com o que existe de concreto e também abstrato, sem querer tornar perfeito o imperfeito ou vice-versa. Pelo contrário, desejo experimentar através da obra de arte a autêntica imperfeição das formas reveladas no que se vê e também no que não se vê, procurando encontrar a beleza também dentro da fealdade.
Portanto, apoiado nesses e em outros argumentos, creio ser esse o ideal de meu propósito artístico. Assim pensando, chamo minha obra como um todo de Imperfeccionismo Contemporâneo.

Roberto Armorizzi.



Uma questão curiosa
por Guilherme Tolomei

Se eu te contar você vai rir.
A mulher começa a rir.
Não disse.
Não valeu. Eu ri antes que você me contasse. Prometo agora não rir mais.
Promete?
Sim.
Eu escrevo contos.
A mulher ri.
Desculpe, mas foi muito engraçado. Pensei que você fosse técnico judiciário.
Também sou.Você não acredita em mim?
Não. Há muitos anos ninguém escreve contos.
Eu escrevo desde pequeno.
Tudo bem. Pode pegar um copo d’ água, por favor.
Só que existe uma peculiaridade.
Compreendo.
Os dois estão deitados sobre a cama, sem roupa.
Estou com sono. Vou dormir.
O meu primeiro conto foi sobre um casal.
Hum, hum.
Um rapaz que se apaixona por uma moça de uma família inimiga. Embora quisessem ficar juntos, no final, a moça se apunhala e o rapaz ingere um veneno. Enfim, matam-se.
Mas isso já existe. É uma peça de teatro do grande dramaturgo James Edward.
Só que no momento que tive essa idéia eu não conhecia James Edward, jamais havia lido qualquer peça dele, nem sabia que ele ganharia o Nobel.
Então?
Talvez, tivesse sido uma coincidência. Mas depois de alguns meses, escrevi a história de um estudante que mata uma velhinha com um machado. Inesperadamente, surge uma outra mulher, e ele a mata também. O enredo se embasaria no drama vivido por esse jovem, a partir dos assassinatos.
Não é possível. Isso é exatamente o livro do escritor russo Ivan Alexandrovich.
Sim. Descobri que tenho a capacidade de imaginar somente histórias que já foram criadas, apesar de nunca tê-las lido.
O que isso importa?
Você não percebe meu drama. Não ter a possibilidade de me tornar original.
Creio que é normal viver desse modo.
A mulher não contém a risada .
Aos pouco, conheci muitos autores. Tinha sempre a impressão de que já havia escrito alguma coisa parecida, ou que já havia concebido àquela idéia. Cheguei até mesmo a plagiar os “olhos de cigana oblíqua e dissimulada” do grande Antônio Rodrigues.
Já procurou um médico?
Provavelmente, a medicina não poderá me ajudar.
O homem coloca as mãos no rosto.
Fique calmo. Você pode fazer outras coisas. Quem sabe um concurso para Tesoureiro Nacional?
Isso não me consola.
Veja o lado bom: ninguém mais tem esse problema.
A mulher novamente ri.
Você me deu uma grande idéia.
Grande idéia?
Sim.
O homem se levanta, pega alguns papéis na gaveta e senta-se à mesa.
Vou escrever sobre mim. A história de um homem condenado a reproduzir histórias alheias. Tenho certeza que ninguém mais escreveu sobre isso.
O homem vira-se para mulher e diz convicto:
Não há nada mais original do que eu próprio.



A MATA ATLÂNTICA
por Raphael Borsoi

A forma como hoje em dia se explora os recursos florestais na Mata Atlântica é totalmente insustentável, devido à exploração predatória do ponto de vista social, econômico e ecológico. Apesar de só restarem apenas 7,3 % de sua área original (Fundação SOS Mata Atlântica et al., Atlas da evolução dos remanescentes florestais e ecossistemas associados no Domínio da Mata Atlântica no período de 1990 e 1995 – São Paulo), e que a maioria das espécies ameaçadas de extinção pertença a esse ecossistema, a Mata Atlântica apresenta uma das maiores biodiversidades do planeta. Justamente pela ameaça que sofre por sua imensa riqueza e um alto grau de endemismo, justificado pela necessidade de projetos que visem sua exploração racional, através de manejos sustentáveis e de conservação.
A ameaça de extinção ocorre por causa do extrativismo predatório em algumas espécies de valor econômico. A falta de consciência ambiental e pressão sobre determinadas áreas, seja por especulação imobiliária, ou pela prática centenária de transformar florestas em áreas agrícolas. Este último fator é um agravante que hoje em dia fez com que as principais áreas de florestas nativas ficassem fragmentadas e em formações pioneiras e secundárias. Daí vem a necessidade de se elaborar um projeto de enriquecimento florestal, pois a capacidade de regeneração natural é um processo muito lento. Este processo consiste em plantar espécies nativas, em sua maioria frutíferas, com a finalidade de atrair a fauna, aumentando assim a biodiversidade, pois esta fauna se encarregará de fazer a dispersão e ainda trará consigo outras espécies.